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EstratégiaEmpresarialCONCEITOS, PROCESSOS E INSTRUMENTOSCARLOS J. F. CÂNDIDO

EDIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E VENDASSÍLABAS & DESAFIOS - UNIPESSOAL LDA.NIF: esafios.ptSede:Rua Dorilia Carmona, nº 4, 4 Dt8000-316 FaroTelefone: 289805399Fax: 289805399Encomendas: encomendar@silabas-e-desafios.ptTítuloEstratégia Empresarial: Conceitos, Processos e InstrumentosAutorCarlos Joaquim Farias CândidoRevisão do textoAna Margarida Coelho Guerreiro Casimiro2ª EdiçãoData: fevereiro de 2019Pré-edição, edição, revisão e composição gráfica: Sílabas & Desafios Unipessoal, Lda.Pré-impressão, impressão e acabamentos: Gráfica Comercial, LouléCapa: Sílabas & Desafios, 2018ISBN: 978-989-98122-1-5Depósito Legal: 353270/12Reservados todos os direitos. Reprodução proibida. A utilização de todo, ou partes, do texto, figuras, quadros, ilustrações egráficos, deverá ter a autorização expressa dos autores.2

ÍndiceCAPÍTULO 1.Introdução: Objetivos e Temas Abordados1.1. Necessidade e utilidade do estudo da estratégia1.2. Uma antevisão, capítulo a capítulo79CAPÍTULO 2.Conceito, Conteúdo e Processo da Estratégia2.1. Definições de "estratégia"Os domínios da estratégiaArte ou ciência?Definições de estratégia no domínio militarDefinições de estratégia no domínio empresarialO paradigma (ou teoria do negócio)2.2. Processo de tomada de decisão, tipos de decisões e princípios da estratégiaO Processo de decisãoTipos de decisões e tipos de gestãoAlguns princípios da estratégiaO processo de tomada de decisão estratégica2.3. O Plano estratégicoMissão da empresaObjetivos da empresaConteúdo da estratégiaA hipótese de sucesso estratégicoNíveis da estratégiaConteúdo da estratégia na perspetiva de Ansoff & McDonnellO conteúdo da estratégia competitiva na perspetiva de PorterTipos de estratégias de PorterA inovação e a vantagem competitiva2.4. Quatro perspetivas diferentes da estratégiaO modelo de WhittingtonO modelo de Hart (leitura 36373842444550505658CAPÍTULO 3.Processo Clássico e Introdução à Análise Estratégica3.1. O processo clássico de LCAGO processo de decisão estratégicaLimitações do modelo3.2. Um método para operacionalizar o processo de formulação da estratégia3.3. Da análise à síntese61616669733

CAPÍTULO 4.A Empresa: Análise Interna4.1. Pressupostos gerais dos modelos4.2. Modelos da empresaO modelo das funções da empresaO modelo de LeavittO modelo 7-SA cadeia de valorFontes de vantagem competitiva (ou fatores chave de sucesso)O modelo de HusseyA teia cultural4.3. A empresa - guia para a análise interna4.3.1. Paradigma/modelo de representação do mundo4.3.2. Competências, estilos e papéis do gestor4.3.3. Conteúdo da estratégia4.3.4. Estrutura (formal e informal)4.3.5. Instalações, equipamento, suas tecnologias e capacidades4.3.6. Sistemas de informação e comunicação4.3.7. Processos de decisão4.3.8. Análise de produtos/serviços, conceção e entrega4.3.9. Sistemas de medição, controlo e recompensa4.3.10. Competências organizacionais4.3.11. Pessoas4.3.12. Valores e normas4.3.13. Histórias e símbolos4.3.14. Rotinas, rituais e cerimónias.4.3.15. Recursos financeiros4.3.16. TempoO modelo de IronsO modelo de GalpinObjetivos, medidas, recompenses e reconhecimento.Outros 14117120122125126127128131134134136CAPÍTULO 5.Análise Externa: o Contexto em Que se Inserem as Empresas5.1. Meio envolvente mediato e imediato5.2. Análise do meio envolvente mediatoAlgumas tendências do Mundo de hoje5.3. Análise do meio envolvente imediatoSegmento estratégicoExemplos de Segmentos Estratégicos:Relação entre esfera competitiva e segmento estratégicoRelação entre unidade estratégica de negócios e segmento estratégicoComo descobrir as fontes de vantagem competitiva do segmento estratégico?Segmentação estratégica4137138140141141143146146147148

Segmentação vs. árvore de competênciasAnálise estrutural do segmento estratégicoAnálise dos stakeholders (análise concorrencial)Análise do diamante da competitividade do paísAtratividade do segmento estratégico e posição competitiva da empresaInternacionalização das empresas e competição global5.4. Incerteza, paradoxo e contingencialidade (leitura opcional)Crise dos métodos de previsãoIncerteza, contingencialidade, caos e paradoxo150152159161165166168168169CAPÍTULO 6.Implementação da Estratégia6.1. Implementação, problemas e sucessoConceito de implementaçãoSucesso empresarialSucesso empresarial e sucesso da implementaçãoComo as pessoas lidam com a mudança e por que lhe resistemProblemas de implementaçãoRelações entre formulação e implementaçãoImplementar é agir! Não é decidir, nem é planear!6.2. Métodos para implementar a mudança estratégica e estilos de gestãoMétodos de mudança estratégicaEstilos de gestão6.3. Modelos dinâmicos de formulação e implementação da estratégiaPressupostos gerais dos modelosModelos de implementação da estratégia através da gestão da mudança e da resistência(modelos dinâmicos)6.4. Síntese de um processo de formulação e implementação (com gestão daresistência)6.4.1. Perceção do estímulo6.4.2. Avaliação do grau de mudança exigido e do impacto da oportunidade/ameaça6.4.3. Avaliação do tempo disponível, tempo necessário e urgência6.4.4. Escolha do método de gestão da mudança e dos estilos de gestão6.4.5. Comunicação, reflexão e clarificação6.4.6. Diagnóstico comportamental6.4.7. Construção de um clima de apoio à mudança6.4.8. Debate interno6.4.9. Recolha de informação6.4.10. Preparar e motivar para a realização do planeamento estratégico6.4.11. Planeamento (clássico ou modular), programação e orçamentação6.4.12. Projeto piloto /experimentação6.4.13. Alinhar sistemas e outras dimensões da empresa para criar as competênciasnecessárias e os comportamentos desejados6.4.14. Acompanhar, controlar e afinar o processo6.4.15. Reconhecimento e recompensa6.4.16. Recongelamento (ou 2252252262282285

6.4.17. Sustentar a mudança (institucionalização de uma empresa em aprendizagem /gestão de aprendizagem estratégica)6.5. ConclusãoApêndice A - Um modelo mistoPressupostos do modelo mistoModelo misto simplificadoApêndice B - A prospetiva estratégica de GodetCausas de insucesso da previsão e da prospetivaSeminários de prospetivaMétodo prospetivo por módulosMétodo prospetivo combinado com o processo O 7.Modelos de Análise Estratégica e Tipos de Estratégias7.1. Modelo da Boston Consulting Group e a Matriz BCG1Atratividade do sector e posição competitiva da empresaCaracterísticas da BCG1"Balanço" do método7.2. O método da Shell: a Directional Policy Matrix (matriz Shell/DPM)Descrição do métodoPressupostos, vantagens e desvantagens7.3. O modelo da Arthur D. Little (ADL)Apresentação do modeloBreve crítica do método7.4. A matriz dos sistemas concorrenciais (BCG2)Precedentes e características fundamentais do modeloBreve comentário7.5. O modelo HEC: vias de desenvolvimento para a empresaApresentação do modelo.Comentário7.6. A gestão estratégica de AnsoffO alargamento do problema estratégicoO modelo de turbulênciaA hipótese de sucesso estratégicoUma perspetiva contingencial dos modos de formulação e implantação da estratégiaPosicionamento pontual e posicionamento dispersoAs “novas” estruturas organizacionais de AnsoffGestores geraisConceito de gestão estratégicaCríticas e Comentários7.7. Os modelos de Porter (leitura opcional)Obras mais importantes de Michael PorterCríticas aos modelos porterianos7.8. Outros Modelos e matrizes de bliografia3096

CAPÍTULO 1.Introdução: objetivos e temas abordadosQuanto mais desenvolvido for um indivíduo, mais recursos pode criar como que a natureza lhe fornecer, e menos dependente ficará, portanto, dosrecursos que outros lhe forneçam.Desenvolvimento é uma questão de saberes e não de haveres, e o saberé uma questão de educação. Daí que a educação seja o processoatravés do qual o desenvolvimento tem lugar. Uma vez que aaprendizagem é a essência do desenvolvimento, e que uma pessoa nãopode aprender por outra, ninguém pode desenvolver os outros. Há umúnico tipo de desenvolvimento: o auto-desenvolvimento.Em todo o caso, qualquer pessoa ou instituição pode encorajar e facilitaro desenvolvimento de outrem. É justamente o encorajamento e afacilitação do desenvolvimento pessoal o que constitui a função maisimportante da educaçãoRussell L. Ackoff. Fábulas de AckoffOs motivos que me conduziram à elaboração deste livro são diversos. Em primeirolugar, o reduzido número de manuais existentes em língua portuguesa dedicados àestratégia empresarial. Em segundo lugar, a ausência de consenso sobre o conceitode estratégia empresarial, sobre o seu conteúdo, sobre o processo de elaboraçãoda estratégia, sobre a própria utilidade da estratégia empresarial e a necessidadede, se possível, encontrar definições mais consensuais. Por último, a curiosidade eo interesse que despertam estes temas tão controversos.Um dos motivos referidos é a inexistência de acordo acerca da utilidade daestratégia empresarial. É verdade, de facto, que alguns autores duvidam da suautilidade. Nesse caso, porque razão deveremos nós estudar esta matéria? Aresposta irá sendo discutida e formulada nas nossas mentes durante a leitura,todavia, podemos já adiantar algumas razões.1.1. Necessidade e utilidade do estudo da estratégiaPara que serve a estratégia empresarial? A estratégia é considerada por muitoscomo um guia para a empresa. Ou como uma orientação geral, predeterminada eduradoura, que norteia a sua atuação e a dos seus membros. Concretamente, aestratégia empresarial consiste no teor de um conjunto de decisões que (1) determina as regras de relacionamento da empresa com o seu meio envolvente e (2)define os produtos e os recursos a criar internamente para garantir o sucesso da7

empresa nesse meio (Ansoff & McDonnell, 1990). A estratégia é assim o instrumento privilegiado para alcançar o sucesso empresarial. Elaborar uma estratégiaadequada depende sempre da análise que os gestores fazem (1) ao contextoexterno e (3) ao contexto interno. Os gestores que tomam decisões erradas acabampor se aperceber, tarde demais, que não fizeram previamente uma análiseadequada destes contextos. A análise é o input básico para a elaboração da missão,dos objetivos e da estratégia.O contexto interno é a empresa. Comecemos por focar aí a nossa atenção. Umaempresa é, simultaneamente: um agente de produção, que converte inputs em produtos, através de umconjunto de atividades diversas, visando atingir objetivos quantificados deprodutividade, de quota de mercado e de rentabilidade, onde avulta o objetivodo lucro líquido a realizar;uma estrutura social, que integra trabalhadores, técnicos e gestores, repartidos pelos departamentos da empresa e grupos informais, interagindo forte efrequentemente entre si, algumas vezes de formas imprevisíveis, donde resultam necessidades de liderança, de coordenação, de regulação e de controlo;uma entidade política, quer dizer, uma unidade política relativamente aocontexto externo e, também, um espaço político interno onde departamentosinternos protagonizam debates, às vezes conflitos, em resultado das diferençasnos seus objetivos próprios, know-hows e recursos (Martinet, 1980).Estas três dimensões (económico-produtiva, social e política) são extremamenteimportantes, podendo uma delas assumir maior preponderância, conforme o tipode empresa em causa e o tipo de problemas internos que enfrenta. É precisoanalisá-las e conhece-las detalhadamente.A estratégia ocupa-se das três dimensões, procurando analisar e solucionar osdesajustamentos que ocorreram, mantendo sempre as três dimensões adaptadasàs particularidades e exigências do negócio e do contexto externo, i.e., das preferências dos clientes, da legislação, da fiscalidade, das novas tecnologias, etc.Por seu turno, o contexto externo, em que a empresa se insere, caracteriza-se poruma elevada complexidade e por uma rápida e permanente evolução em diversosdomínios. Ele põe constantemente a empresa em novas e complicadas situações(problemas ou oportunidades), que exigem capacidades de análise, de síntese, decrítica, de correto equacionamento dos problemas e de conceção de soluçõesestratégicas, as mais das vezes, imaginativas ou inovadoras.Assim, são fundamentais os conhecimentos adquiridos, pelos (futuros) gestores,em áreas metodológicas de base (metodologia das ciências sociais, métodos quantitativos, informática e outras), na área das ciências sociais e na área da gestão (gestão de pessoal, gestão da produção, gestão financeira e outras). Todavia, a maior8

parte destes conhecimentos foram adquiridos num enquadramento restrito quenão é o da empresa como um todo, mas o de uma Função concreta e isolada (Função Produção, Função Comercial, etc.). Torna-se necessário integrar todos essesconhecimentos e ampliar o enquadramento para o da empresa como um todo, comvista à potenciação daquelas capacidades e à correta análise interna e externa.Gestão das partes ou do todo?“ os estudantes acabam por crer que a performance de um sistema podeser melhorada melhorando a performance de cada uma das suas partesseparadamente. Até nas próprias escolas de gestão empresarial os estudantes não aprendem que a gestão eficaz de comportamentos organizados é uma questão de interações, não de ações. Não se lhes dá sequer aconhecer as diferenças entre estes tipos de gestão. O que se lhes ensina éque, se melhorarem a performance de cada parte de uma empresatomada separadamente, a performance da empresa como um todo serámelhorada. Ora isto é absolutamente falso. Já podemos dar-nos por felizescom o facto de uma melhoria na performance de cada uma das partestomadas separadamente não contribuir necessariamente para que o todopiore. Se assim fosse, poucas empresas teriam sobrevivido tanto tempocomo sobrevivem”(Ackoff, 1995)O “valor acrescentado” do estudo da Estratégia e do Planeamento Empresarial émarcado essencialmente por essa integração de conhecimentos, pela ampliação doenquadramento e das capacidades e pelo fornecimento de novos instrumentos,fundamentais para “a mais importante” função da empresa: a Função do Estrategaou Função Direção. É à luz destes raciocínios que desenvolvemos este livro.1.2. Uma antevisão, capítulo a capítuloMas dissemos, também, que não existe consenso acerca do conceito de estratégia,do processo que dentro da empresa dá lugar à definição do conteúdo e acerca dopróprio conteúdo. Será lógico, então, centrar a nossa atenção nesta ou naquelacorrente, mesmo que seja hegemónica? Certamente concordaremos que não. Porisso este livro tentará abordar um leque alargado de correntes a fim de que possamos formar uma opinião própria e estabelecer as bases para, eventualmente, fazera adaptação de uma delas à empresa em que trabalhamos.O Capítulo 2 define o conceito de estratégia empresarial e apresenta algumas definições diferentes da nossa. Explica ainda as características da decisão estratégica,por oposição à decisão corrente; explica resumidamente o processo de tomada dedecisão estratégica; os princípios básicos da estratégia empresarial; e os elementoscomponentes do conteúdo da estratégia. Culmina com dois modelos abrangentes,9

que mostram as diferenças entre vários conceitos sobre estratégia, conteúdo e processo.O Capítulo 3 introduz o processo clássico da estratégia, explicando em detalhe assuas etapas e as suas limitações. Explica nomeadamente em que consiste a análiseSWOT e expõe um método expedito para pôr em prática o processo de formulaçãoda estratégia.O Capítulo 4 é sobre a empresa. Nesse capítulo abordaremos em detalhe a empresa, definido e interligando as suas variáveis estratégicas fundamentais. Estas sãoas variáveis que os gestores devem analisar cuidadosamente para formular umaboa estratégia e são, simultaneamente, as variáveis que terão de gerir posteriormente para implementar com sucesso a estratégia formulada. Serão introduzidosinstrumentos utilizados para fazer a análise interna da empresa como sejam o“modelo das elipses”, o modelo 7-S, a cadeia de valor e outros.O Capítulo 5 é sobre o meio envolvente da empresa. Introduz conceitos fundamentais e métodos para analisar o contexto externo, entre os quais a análise PESTE, asegmentação estratégica, a identificação das fontes de vantagem competitiva e astécnicas de análise de Porter. O capítulo faz ainda uma introdução aos tipos deproblemas enfrentados pelas empresas no Mundo dos nossos dias.No Capítulo 6 começamos por explicar as dificuldades de implementação da estratégia que resultam da resistência à mudança, obstáculo frequentemente colocadopelos membros da organização. A partir duma análise das fontes de resistência àmudança será proposta uma metodologia flexível para a formulação e a implementação da estratégia que procura tomar em consideração todas as dificuldades e visaeliminar a resistência. O processo proposto baseia-se, de certa forma, no processoclássico do Capítulo 3, mas inclui novas etapas e técnicas destinadas a eliminar,desde o início, todas as dificuldades de implementação. O capítulo introduz aindaum processo alternativo de formulação da estratégia empresarial designado porprospetiva estratégica.Inúmeros métodos e instrumentos específicos foram desenvolvidos durante asegunda metade do Século XX para o apoio à formulação e à implementação daestratégia empresarial. O Capítulo 7 sintetiza os mais famosos desses instrumentos,bem como os tipos de estratégias a eles associadas. Aqui se incluem: o modelo daBoston Consulting Group e a Matriz BCG1; o método da Shell e a Directional PolicyMatrix, o modelo da Arthur D. Little (ADL); a Matriz dos Sistemas Concorrenciais(BCG2); a matriz HEC das vias de desenvolvimento da empresa; e a gestão estratégica de Ansoff. O Capítulo enumera, a terminar, outros métodos eventualmenteúteis. A síntese e crítica dos vários métodos, neste capítulo, porá em destaque assuas vantagens, mas também as suas limitações.10

CAPÍTULO 2.Conceito, conteúdo e processo da estratégia«No princípio, - segundo o célebre versículo, - Deus criou o céu e a Terra»[Génesis, 1,1]. Não é claro porque o fez; mas logo depois quis iluminá-la.«Fiat lux!», recita-se na Vulgata, «e a luz fez-se» [ibid., 3]. Não foi dito comoé que isso aconteceu, mas disse-se que a Deus a luz pareceu «boa» [ibid.,4], que Ele a separou das trevas, assim como, num momento seguinte, aságuas por cima do firmamento se separaram das de baixo, bem como omolhado do seco. Escreveu-se depois que, só após ter avaliado umasegunda vez a sua obra como «boa» [ibid., 10], o Eterno se decidiu àcriação do mundo vegetal, também ele logo de seguida consideradocomo «bom» [ibid., 12], tal como a criação, no quarto dia, do sol, lua eestrelas [ibid., 18]; no quinto, dos animais aquáticos e voadores [ibid., 25].Finalmente, após ter criado o homem e depois de o ter posto a chefiar aTerra, as plantas e todos os animais, «Deus viu tudo aquilo que tinha feito, ecom efeito era muito bom» [ibid., 2,2].A criação do mundo, pelo menos pela forma como é descrita no livro doGénesis, podia conceber-se como resultado de uma determinadaestratégia [.]. É como se Deus, uma vez decidida a criação, tivesseresolvido realizá-la por etapas, de tal modo que, apenas após ter julgado«bom» o último troço percorrido, resolvesse passar ao seguinte.Enciclopédia Tática/Estratégia2.1. Definições de "estratégia"Os domínios da estratégiaA estratégia surgiu no domínio da ciência militar, há mais de dois mil anos, com olivro “A Arte da Guerra”, escrito por Sun Tzu. Ainda hoje, a 6a edição do Dicionárioda Língua Portuguesa, da Porto Editora, começa por definir estratégia no planomilitar, tal como, por exemplo, The Concise Oxford Dictionary (1992), e só depois aestende a outros domínios da atividade humana. Isto é o reflexo do termo ter sidousado quase exclusivamente na guerra durante muito tempo, só tendo sido trazidopara o domínio da gestão de empresas no século XX. Atualmente, a palavra “estratégia” aparece todos os dias nos jornais e é utilizada com frequência por muitaspessoas, em vários domínios da atividade humana, incluindo a política, a guerra, aeconomia, os negócios das empresas, os desportos, a vida privada e profissional decada um de nós e em tantas outras atividades. Na política, foi certamente umadecisão estratégica a adesão à UE; na economia, a aposta no desenvolvimento do11

sector do turismo é uma decisão estratégica; na empresa é uma decisão estratégicainternacionalizar o negócio; na vida particular das pessoas é uma decisão estratégica continuar os estudos na universidade para obter uma licenciatura em Gestãode Empresas, ou outra qualquer. Quando decidir casar, estará a tomar uma decisãopor amor, mas também uma decisão estratégica na sua vida.Arte ou ciência?Numa primeira leitura das definições dadas pelos dicionários citados, dir-se-ia quea estratégia é a arte ou a ciência que ensina a conduzir as grandes operações militares, empresariais, etc. Na prática, a estratégia preconcebe e planeia as operações,isto é, divide-as em etapas e em ações concretas a executar em momentos predeterminados, e depois acompanha-as de modo a resolver eventuais percalços paraatingir determinados objetivos. A estratégia é, assim, um meio para alcançar objetivos1. Todavia, o dicionário da Porto Editora define a estratégia como uma ciência,enquanto que o referido dicionário deinglês a considera uma arte.Não existe, entre cientistas e filósofos,uma definição única para «ciência» oupara «arte». É, também, por isso, difícildefinir «estratégia». Mas se é pontomais ou menos assente que a ciênciaprocura ser uma objetiva interpretação da realidade e a arte uma reconstruçãosubjetiva, definir estratégia como uma dessas coisas é, talvez, incorreto. Contudo,muitos autores não hesitem em fazê-lo. Julgamos, porém, que a estratégia contémaspetos de ambas. Por um lado, a objetividade, o rigor e o uso de métodos gerais(por exemplo, a análise SWOT ou as técnicas de Porter, a estudar adiante) fazemna parecer uma ciência. Por outro lado, a criatividade e a imaginação, exigidas parainovar, são mais intuitivas e mais subjetivas, puxando a estratégia também para odomínio da arte. A estratégia parece, pois, integrar simultaneamente ascaracterísticas da ciência e da arte.1Ambos os dicionários fazem referência a um outro significado particular do termo: o estratagema, quesignifica: «ardil usado para enganar). Ardil é uma «manha», arte ou engano com dolo. Mas o estratagemanão se reveste forçosamente de uma capa traiçoeira ou criminosa. Se se revestir, será pouco ético,condenável pelos tribunais, pelos clientes e, de um modo geral, pela sociedade. A fim de evitar dissabores, éconveniente fazer passar a estratégia/estratagema por alguns filtros antes de a pôr em prática, nomeadamente, os da lei e da moral.12

Definições de estratégia no domínio militarCom as primeiras ideias e reflexões que os dicionários nos sugerem, passemosagora a algumas definições dos maiores especialistas da estratégia. E já que estanasceu no campo militar, comecemos por aí. Dentre os dois nomes de autores emilitares mais citados, o primeiro é Sun Tzu. Responsável pela definição dos princípios milenares da estratégia, ainda hoje fundamentais, este autor considerou quea estratégia (ou arte de condução da guerra) começa pela análise preliminar:«examinando-se a situação, a estratégia surgirá com clareza», afirma. Dessa análiseresulta a identificação de um conjunto de aspetos fundamentais: o conjunto de forças dos exércitos inimigos, a evitar, e de fraquezas, a atacar. Em função destes doisaspetos, o estratego militar pensa num esquema de movimentos a realizar pelassuas tropas e nas posições, a ocupar no terreno, de modo a, procurando sempreantecipar a estratégia do inimigo, anulá-la e dela tirar partido para a vitória. O objetivo da guerra e da arte da sua condução é a vitória. Se possível sem luta, pois,dominar «o inimigo sem o combater, isso sim, é o cúmulo da habilidade». Para SunTzu, a estratégia é algo complexo, mas também imprescindível ao sucesso.O segundo nome sonante da estratégia militar é o do General Carl Von Clausewitz,que tentou elaborar a mais completa e profunda teoria sobre a guerra. Entre osseus contributos para a desejada teoria, encontramos primeiramente a definiçãode estratégia. Estratégia é «a utilização da batalha como meio para alcançar o objetivo da guerra». Estratégia é o meio para atingir o fim, tem, pois, de indicar qual oalvo a atingir. Além de indicar o alvo, a estratégia estabelece o plano de guerra,determinando a sequência de campanhas e operações a empreender, que conduzao resultado final. Esta definição terá influenciado a literatura da estratégia empresarial, desde o seu nascimento no século passado.Na altura do seu nascimento, todavia, não se deu logo a devida importância a quecomo todas estas campanhas e operaçõessão coisas que em larga escala só podem ser estipuladas com base emconjeturas, algumas das quais vêm a provar-se incorretas, . grandenúmero de . detalhes não podem de modo algum ser feitos com antecedência, segue-se, como é evidente, que a estratégia terá de ir com oexército para o campo de batalha, para in loco organizar os pormenorese para fazer no plano geral as alterações que na guerra incessantemente se tornam necessárias(Clausewitz, 1832).Assim, tanto para Sun Tzu como para Clausewitz, a estratégia concebe e, se necessário for, modifica a sequência de movimentos e ações a empreender de modo aatingir os objetivos.13

Neste processo de conceção e reformulação da estratégia, o que se admira, acimade tudo, é a sagacidade do estratega, pois, na estratégia temmais influência [o] "quanto-muito ou pouco” que se deve fazer, do que[a] forma de execução. . [No] conjunto da [boa] condução da guerra,encontramos um poder controlado, sempre bem equilibrado, e não lhefaltando nunca a energia, e que nos momentos mais críticos se eleva atéfeitos espantosos, mas que no momento seguinte novamente oscilacalmamente, subordinando-se ao jogo das mais subtis influências políticas. Nem a vaidade, nem a ânsia de glória, nem a vingança [conseguem desviar o melhor estratego do seu curso](Clausewitz, 1832).Um adequado doseamento; um certo quanto baste, é, como na culinária, um dos“segredos” da estratégia. Assim, em estratégia tudo é muito simples — todas asdonas de casa têm livros de receitas — mas, por causa disso, não é muito fácil —nem todas têm o q.b. bem medido (Clausewitz, 1832).2Este doseamento (q.b.) começa na análise da situação. A situação militar possuimuitos aspetos a analisar, pois há diversos elementos que afetam a guerra, a saber,elementos geográficos, materiais, financeiros, políticos e outros. De acordo com oautor, será necessário considerar e ponderá-los a todos, bem como às suas inter-relações, de modo a que a situação se torne clara no espírito do estratego.Para Clausewitz, a estratégia abrange também aspetos morais como sejam a motivação, a confiança e a admiração que as tropas sentem pelo seu general. As «relações entre as coisas materiais são todas muito simples; a exata compreensão dasforças morais intervenientes é mais difícil». A estratégia caracteriza-se, pois, pornela se «encontrar as complicações morais e uma grande diversidade de variáveise relações».Para atingir os objetivos estabelecidos é preciso admitir este carácter multifacetadoda estratégia, fazer uma análise cuidada da situação e depois agir de forma planeada. Ouçamos o que o General Gil Fiévet nos diz acerca da relação entre estratégia,ação e pensamento: «A estratégia da empresa é uma praxeologia de naturezacomplexa. Nem conceito abstrato, nem receita operatória, situa-se entre o pensamento e a ação, podendo surgir como pensamento atuante ou ação refletida»(Fiévet, 1993: 235).Conciliando os pontos de vista até aqui estudados, diríamos que a estratégia ésimultaneamente arte e ciência, pensamento e ação.2Como defendemos adiante, o uso de “receitas” estratégicas, isto é, tentar reproduzir o que outras empresasfazem, pode ser perigoso. Os melhores cozinheiros (estrategos) são capazes de criar os seus próprios pratos(estratégias).14

Uma ciência porque pode usar métodos rigorosos e objetivos de análise e planeamento. Uma arte porque esses métodos objetivos não são suficientes para imaginar produtos e recursos inovadores. Forma de pensamento, porque é uma arte euma ciência que exige reflexão. Forma de ação, porque de nada serve uma boaestratégia se não for posta em prática.Definições de estratégia no domínio empresarialNão sendo nossa intenção aprofundar aspetos do âmbito militar, passemos desdejá ao domínio da estratégia empresarial, em que um dos autores mais citados é IgorAnsoff. Ansoff começou por definir a estratégia como um conjunto de regras dedecisão que orientam o comportamento de uma organização nas relações com oseu meio envolvente. Neste entendimento, estratégia define as formas de relacionamento da empresa com as entidadesexternas relevantes, nomeadamente,os clientes, os fornecedores e o Estado.Mais tarde, Ansoff alargou este conceito de estratégia, de modo a incluiras capacidades e os recursos da empresa, tornando-o mais amplo e adequado à realidade. Neste conceito maisamplo, a estratégia empresarial consiste num conjunto de regras que definem (1) as formas de relacionamentoda empresa com o seu meio envolvente e (2) as capacidades e os recursos a desenvolver internamente paragarantir a realização dos objetivos da empresa. Quanto ao relacionamento com omeio, haverá que definir quais as necessidades a satisfazer e os produtos ou serviços a oferecer para as satisfazer. Quanto às capacidades e recursos a desenvolver,trata-se de definir o perfil de recursos humanos a recrutar e desenvolver; as instalações e equipamentos a utilizar; a imagem da

Sucesso empresarial e sucesso da implementação 187 Como as pessoas lidam com a mudança e por que lhe resistem 187 Problemas de implementação 191 Relações entre formulação e implementação 193 Implementar é agir! Não é decidir, nem é planear! 195 6.2. Métodos para implementar a mudança estratégica e estilos de gestão 196