A Recepção Da Obra De PAULO COELHO

Transcription

A recepção da obra dePAULO COELHOpela crítica literária e pelo leitorADRIANA PINEdifes

A recepção da obra de Paulo Coelhopela crítica literária e pelo leitor

Adriana PinA recepção da obra de Paulo Coelhopela crítica literária e pelo leitorVitória, 2021

Editora do Instituto Federal de Educação,Ciência e Tecnologia do Espírito SantoR. Barão de Mauá, nº 30 – Jucutuquara29040-689 – Vitória – ESwww.edifes.ifes.edu.br editora@ifes.edu.brReitor: Jadir José PelaPró-Reitor de Administração e Orçamento: Lezi José FerreiraPró-Reitor de Desenvolvimento Institucional: Luciano de Oliveira ToledoPró-Reitora de Ensino: Adriana Pionttkovsky BarcellosPró-Reitor de Extensão: Renato Tannure Rotta de AlmeidaPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: André Romero da SilvaCoordenador da Edifes: Adonai José LacruzConselho EditorialAldo Rezende Ediu Carlos Lopes Lemos Felipe Zamborlini Saiter Francisco de Assis Boldt Glória Maria de F. Viegas Aquije Karine Silveira Maria das Graças Ferreira Lobino Marize Lyra Silva Passos Nelson Martinelli Filho Pedro Vitor Morbach Dixini Rossanna dos Santos Santana Rubim Viviane Bessa Lopes AlvarengaProdução editorialProjeto Gráfico: Assessoria de Comunicação Social do IfesRevisão de texto: Thaís Rosário da SilveiraDiagramação e epub: Know-How Desenvolvimento EditorialCapa: Romério DamascenaImagem de capa: Acervo Paulo CoelhoDados internacionais de Catalogação na PublicaçãoP645r    Pin, Adriana, 1974A recepção da obra de Paulo Coelho pela crítica literária e pelo leitor [recursoeletrônico] / Adriana Pin. – Vitória, ES : Edifes, 2021.1 recurso on-line : ePub ; il.Inclui bibliografia.ISBN: 978-65-89716-02-0 (e-book.).1. Literatura brasileira – Crítica e interpretação. I. Coelho, Paulo, 1947-. II. Título.CDD 22 – 869.41Bibliotecária Rossanna dos Santos Santana Rubim – CRB6 – ES 403 2021 Instituto Federal do Espírito SantoTodos os direitos reservados.É permitida a reprodução parcial desta obra, desde que citada a fonte.O conteúdo dos textos é de inteira responsabilidade do autor.DOI: 10.36524/9786589716020

Agradecimentosao Prof. Dr. Luís Eustáquio Soares (PPGL-UFES),por ter acreditado no meu projeto de tese de Doutoradoe ter me orientado durante todo o percurso;à professora Drª Maria Amélia Dalvi (PPGL/PPGE-UFES),pelas orientações concernentes aleitura/literatura/leitor no âmbito da Educação;ao escritor Paulo Coelho, pela atenção, simpatiae gentileza com que sempre me atendeu;ao colega e professor, Dr. Alex Jordane,por me guiar pelos números e estatísticas;a Marcos e Nágila, pelos estudos comparativosdas obras em português, francês e inglês,no tocante à tradução;ao apoio e à leitura das amigasFabiana e Lúcia, durante a pesquisa.

A Alice e Iasmim, sempre, com todo o amorque houver nesta vida.Aos meus queridos alunos do Instituto Federal do Espírito Santo– Campus São Mateus que, a partir das minhas práticasde sala de aula, suscitaram a necessidade desta pesquisa.

“Só se é escritor em relação a alguém e aos olhos de alguém”.(Robert Escarpit)

“O Alquimista pegou o livro que alguém nacaravana havia trazido. O volume estava semcapa, mas conseguiu identificar seu autor:Oscar Wilde. Enquanto folheava suas páginas,encontrou uma história sobre Narciso.”(O Alquimista. Paulo Coelho)

SumárioPrefácio. 15Apresentação. 21Capítulo 1Introdução. 23Capítulo 2Literatura e indústria cultural. 29Capítulo 3Teoria literária. 53Capítulo 4A análise literária sob o prisma da sociologia da literatura. 69Capítulo 5As contribuições da estética da recepção para o estudo do leitor. 83Capítulo 6A recepção da obra de Paulo Coelho pela crítica. 111Capítulo 7A narrativa coelhana. 151Capítulo 8O leitor da obra de Paulo Coelho. 187

14 — Adriana PinCapítulo 9Considerações sobre a tradução da obra de Paulo Coelho. 245Considerações finais. 253Referências. 259Apêndice A – Diálogo com o escritor Paulo Coelho. 267Anexo A – Carta de Paulo Coelho ao presidente George W. Bush. 279Anexo B – Estudo comparativo da obra O Alquimista, de Paulo Coelho:língua portuguesa/língua francesa (Marcos Roberto Machado). 281Anexo C – Estudo comparativo da obra O Alquimista, de Paulo Coelho:língua portuguesa/língua inglesa (Nágila de Fátima Rabelo Moraes). 287Sobre a autora. 292

PrefácioA paixão segundo Adriana PinNo meio do caminho tinha uma Ágape“O mundo está fora dos eixos e eu vivo para consertá-lo”, diziaHamlet, personagem homônimo da mais conhecida peça de Shakespeare,indicando, com isso, algo que é trans-histórico, a saber: a busca pelaverdade em sociedades destroçadas pela perfídia, o ódio, a vilania, amentira; a injustiça.Ora, não é a relação indiscernível entre verdade e justiça, perspectivada por conteúdo e forma estéticas, que compõem o motivo ao mesmotempo objetivo e subjetivo de qualquer obra de arte? E não é esse o tema,por exemplo, de Diário de um mago (1987), esse romance autobiográfico emque o autor, Paulo Coelho, relata a peregrinação que fizera, ficcionalmente, no Caminho de Santiago, em busca de uma misteriosa espada,pela Via Láctea, sendo assim orientado por seu guia, nessa aventura,Petrus:– O verdadeiro caminho da sabedoria pode ser identificado porapenas três coisas – disse Petrus. Primeiro ele tem que ser Ágape, edisso eu lhe falar mais tarde; segundo ele tem que ser uma aplicaçãoprática na vida, senão a sabedoria torna-se uma coisa inútil eapodrece como uma espada que nunca é utilizada.“E finalmente ele tem que ser um caminho que possa ser trilhado porqualquer um. Como o caminho que você está trilhando agora, oCaminho de Santiago” (COELHO, p. 17, 1987).

16 — Adriana PinEsse sucinto trecho da narrativa em questão, de Paulo Coelho, evocauma tradição filosófica, cultural, religiosa e literária milenares.Filosófico-religiosa, e cultural, porque Petrus, o guia, remete à pedra e aPedro e, portanto, à primeira pedra da Igreja, do Cristianismo, a qual – aIgreja e a pedra –, podendo ser Ágape, confunde-se no tempo com oamor-Ágape, divino, antes de tudo, mas que pode ser humano, desde queeste se divinize; transcenda-se.Literária, porque supõe A divina comédia de Dante Alighieri, obra doinício do século XIV de nossa era, porque dela ecoa a relação entre sabedoria e travessia, como condição fundamental para que o escritor setorne Ágape, exceda-se, assim como a passagem pelo inferno, o purgatório e o paraíso configura o processo difícil de autocriação poética e,assim, da preparação humano-transcendental do poeta Dante, semcontar que o Caminho de Santiago, trilhado pelo autor, Paulo Coelho,remete, também, a Dom Quixote, de Cervantes, com suas peripécias satíricas contextualizadas pelos caminhos da região de La Mancha, SierraMorena, Saragoza e Barcelona.E há, ainda, em Diário de um Mago, as ressonâncias filosóficas dopoema “No meio do caminho”, presente no livro Alguma poesia (1930), deCarlos Drummond de Andrade, que tanto escândalo causou entre asclasses letradas brasileiras, por fazer opção pelo uso coloquial do verboter, no lugar do verbo haver, para indicar a existência de uma pedra,novamente a pedra, no meio do caminho dessas vidas:No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra (DRUMMOND, p. 47, 2003).Uma estética do caminho que pode ser percorrido por qualquer umE qual é a estética de Paulo Coelho? É aquela em que escritor e leitorse enlaçam, porque a escrita, essa pedra, deve ser, como assinalara apersonagem-guia, Petrus: “um caminho que possa ser trilhado porqualquer um”. Na contramão dos preconceitos beletristas, tal caminho,de quaisquer, de forma alguma se opõe ao que tem de mais complexo erelevante na tradição humanista ocidental, como se espera que tenhaficado evidente com a apresentação das ressonâncias filosóficas, literárias e religiosas presentes no trecho citado acima de Diário de um Mago,dignas da mais intricada trama intertextual de um escritor como JorgeLuis Borges.

A recepção da obra de Paulo Coelho pela crítica literária e pelo leitor — 17Desse modo, desmonta-se um importante preconceito beletrista, emrelação à produção literária de Paulo Coelho, a saber: seria um autorsimplista, logo raso. Se a sabedoria, na ficção do escritor carioca, traduz-se como uma aplicação prática, para a vida, é porque para ele a simplicidade deve transmudar-se, perante as múltiplas “pedras no caminho”; emÁgape, em pathos indiscernível de logos; em gnosiologia que não sedistingue do ser, tendo como horizonte o amor desinteressado.Na produção literária de Paulo Coelho, a simplicidade, representadapela travessia do Caminho de Santiago, expressa-se como prática de escritaacessível, tendo como efeito estético o rompimento do ‘horizonte de expectativa’ hierarquizado entre autor e leitor, assim como entre a dimensãodivina da vida, em relação ao humano, compreendido como aquele queexiste e, existindo, humaniza-se ao se fazer como sujeito de sua história.A metáfora da travessia, desse modo, é a da igualdade de tudo comtudo, argumento que converge com o conceito de regime estético daarte, elaborado por Jacques Rancière, em A partilha do sensível (2009). Parao filósofo francês, os modos de arte são racionalidades próprias, havendofundamentalmente duas: a do regime poético e a do regime estético.A primeira, a racionalidade do regime poético da arte, diz respeito auma racionalidade artística beletrista, seja porque hierarquiza posiçõesde fala, a do autor perante o leitor; seja porque separa, de modo nãomenos hierarquizado, logos, a palavra, de pathos, a vida, hierarquizando,também, a ação em relação à inação e, portanto, o ativo diante do passivo.A racionalidade do regime estético da arte, para Rancière, é diversada do regime poético, porque não separa, hierarquizando, mas, aocontrário, converge e amalgama diferentes posições de palavra, plasmando, em um só ato de escrita (no caso da literatura), logos e pathos,autor e leitor; ação e inação. Para o filósofo francês, o estético é o regimedemocrático da arte, por escrever a igualdade de tudo com tudo.Talvez seja por isso mesmo que a literatura de Paulo Coelho inspiretanto desprezo dos beletristas, porque estes raciocinam em termos deregime poético da arte e, a partir dessa posição hierarquizada de palavra,não compreendem a racionalidade do regime democrático da arte, recusando-a e desprezando-a.É essa racionalidade democrática que se expressa na produção literária de Paulo Coelho, na qual o escritor é leitor e o leitor é escritor; ohumano é divino e o divino é humano. E tudo é travessia, para lembrarGrande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa. Advém daí, da incompreensão de que tudo seja travessia, outro preconceito beletrista emrelação ao autor de O alquimista (1991): seria um escritor que não sabeescrever; que escreve errado.

18 — Adriana PinEm relação a esse preconceito, não há outra travessia contestatóriapossível, senão esta: “tinha uma pedra no caminho”; a pedra PauloCoelho no caminho da racionalidade beletrista da casmurra crítica literária brasileira.Uma pesquisadora despreconceituosaNo Seminário 18: por um discurso que não fosse semblante (2009), seuautor, Jacques Lacan, para pensar o lugar do psicanalista, como sujeitosuposto do saber, assinalou o seguinte: fazer ciência é um ato, em processo,de despreconceito. O cientista, pois, o é na medida em que destituipreconceitos.E porque não seja mais possível distinguir a pesquisadora da presençahumana, singular, que este prefácio abandona, num piparote, a imparcialterceira pessoa do discurso, para assumir integralmente a primeira.Tive a felicidade de conviver, como orientador de Doutorado, comAdriana Pin: simplicidade de gestos, sorrisos, perspectivas; humanismoà flor do socius; séria, comprometida com a educação, com a formação deleitores, com sua posição de educadora, com o país em que vive; e ensina.Foi com sua presença, como um discurso que não fosse o semblantebeletrista, como uma crítica literária de posse da mais legítima racionalidade democrático-estética da arte, que Adriana Pin me desafiou:“Tenho um Paulo Coelho para pesquisar porque (é a sua razão prática) éele que meus alunos leem”. Ato contínuo, apresentou-me o título, que,coerentemente, é o deste livro: “A recepção da obra de Paulo Coelho pelacrítica literária e pelo leitor”.Como uma ironia subjacente, o título da pesquisa (e deste livro) supõeuma luta de classes própria, a do leitor com relação aos preconceitos beletristas; uma luta entre duas racionalidades, assumindo a da perspectivademocrática da arte, como igualdade de tudo com tudo, na contramão doregime poético da arte; regimes que são também teóricos, porque háteorias literárias que dizem respeito ao regime poético da arte; e hátambém perspectivas teórico-literárias do regime estético da arte.Adriana Pin é integramente uma crítica literária do regime estéticoda arte e, portanto, não casualmente este livro, “A recepção da obra dePaulo Coelho pela crítica literária e pelo leitor”, tornou-se o que se apresenta, na prática: um livro teórico que contém a racionalidade democrática de sua autora, assumindo a seguinte escolha igualitária: a do leitorna contramão daquilo que se diz ser obra literária digna de leitores; deobras dignas (segundo a racionalidade do regime poético), de seremlidas; obras, a rigor, das quais não fazem parte as de Paulo Coelho.

A recepção da obra de Paulo Coelho pela crítica literária e pelo leitor — 19Mas não espere de uma pesquisadora, que se compromete com olado certo da história, que seja uma cientista anódina, sem paixão.Adriana Pin assume seu desafio com apaixonado despreconceito. O resultado é: ousadia teórica, que se expressa por meio de uma surpreendentequebra hierárquica entre diferentes campos epistemológicos, plasmando-os, em igualdade, ainda que respeitando as suas especificidades.Sem preconceitos típicos da racionalidade poética das artes, e com oobjetivo de investigar o fenômeno mundial dos best-sellers de PauloCoelho, Adriana Pin não se intimidou perante os desafios, sobretudo noque se refere à necessidade de se instrumentalizar com a Estética daRecepção, a partir de um enfoque sociológico.Imbuída desse desafio, compôs sua orquestra teórico-polifônica,com autores dos mais diferentes campos epistemológicos, como AntonioCandido, Roger Chartier, Hans Robert Jauss, Regina Zilberman, aproximando-os (porque no meio do caminho há a indústria cultural) deTheodor Adorno, Max Horkheimer, Pierre Bourdieu, Umberto Eco, LuizCosta Lima, Muniz Sodré, sem descuidar de outro aspecto fundamentalda literatura coelheana, a saber: a de sua simplicidade coloquial, razãopor que não ignorou a presença, nos romances aqui investigados, daoralidade e dos temas das canções que Paulo Coelho compôs com RaulSeixas, verdadeiros clássicos da produção musical brasileira.Com esse recorte teórico, tecido polifonicamente, este livro temcomo, talvez, sua principal originalidade, a produção teórico-literária deuma estética da recepção sobre aquilo que Josefina Ludmer, em Aqui,América Latina (2013, p. 133), chamou de literatura pós-autônoma, definida como aquela que emerge em diálogo com a máquina de realidadeproduzida pela indústria cultural. Ora, esse não é o caso da produçãoliterária de Paulo Coelho?Um dos importantes eixos da literatura pós-autônoma, como ficçãoda máquina de realidade da indústria cultural, advém de sua relaçãocom as redes sociais, referência cotidiana, hoje, da maioria esmagadoradas pessoas, independente de faixa etária, classe social, escolaridade, oque significa que, em diálogo com MacLuhan (1967), as Novas Tecnologiasde Informação Comunicação, NTIC, ao dominarem o cenário contemporâneo, impõem um “inventário de efeitos”, que são estéticos, biopolíticos,econômicos, culturais.Ainda que tenha frequentando outros referenciais teóricos, AdrianaPin, neste livro, percebeu a importância de pensar as NTIC como “inventários de efeitos”, que passam a ser determinantes também para a recepção,não sendo circunstancial que tenha, aqui, enfocado a recepção das obrasde Paulo Coelho pelos leitores da rede social Skoob, inaugurando, assim, um

20 — Adriana Pincaminho de pesquisa de extrema importância na atualidade; o que dizrespeito ao impacto das redes sociais e seus efeitos estéticos tanto para aprodução como para a recepção literárias.Se a máquina de realidade da indústria cultural objetiva uma épocade inventário de efeitos, o desafio está posto e Adriana Pin o percorreusem preconceitos, ao investigar, aqui, os efeitos dos efeitos estéticos quetransitam entre a realidade e a ficção, as NTIC, o leitor e a obra. Tudocomo um discurso que não fosse o semblante; este livro sobre os caminhos da sabedoria de Paulo Coelho.Uma Via Láctea dentro de outra.Luis Eustáquio SoaresUfes/CNPqReferênciaALIGHIERI, Dante. A divina comédia: inferno, purgatório e paraíso.Trad. de Ítalo Eugênio Mouro. São Paulo: Editora 34, 1999.ANDRADE, Carlos Drummond de. No meio do caminho. In: Algumapoesia. São Paulo: Record, 2003, p. 47.CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote de la Mancha. Trad. deViscondes de Castilho e Azevedo. São Paulo: Nova Cultural, 2002.COELHO, Paulo. O Diário de um mago. São Paulo: Planeta, 2006.COELHO, Paulo. O alquimista. 77. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.LACAN, Jacques. Seminário 18: um discurso que não fosse semblante,(1971). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Trad. de VeraRibeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.LUDMER, Josefina. Aqui, América Latina: uma especulação. Trad. deRômulo Monte Alto. Belo Horizonte: UFMG, 2013.MCLUHAN, Marshall. The medium is the massage: an invectory ofeffects. Berkeley: Gingko Press: 2001.RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Trad. de Mônica CostaNetto. São Paulo: Editora 34, 2009.SHAKESPEARE, William. Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tragédias,vol. I. Trad. de Carlos de Almeida e Oscar Mendes. São Paulo: AbrilCultural, 1978.

ApresentaçãoA terceira margem da LiteraturaCerto dia, quando eu cursava Letras pela Universidade Federal doEspírito Santo, um professor de Antropologia Cultural nos disse quedeveríamos fazer pesquisa sobre aquilo que nos incomodava. Há palavras que chegam até nós e fazem todo o sentido, certamente porquesempre estiveram submersas ali, prontas para serem trazidas à tona.Sempre me incomodou, desde a graduação, ouvir e ler a difusão deuma postura hegemônica de que certos livros devem ser lidos e outrosnão. Em um país como o Brasil, cujos índices de leitura ainda são insuficientes, esse parece não ser o melhor caminho, visto que, em vez deincentivar e de promover a leitura, essa posição provoca um efeitocontrário. O brasileiro realmente não lê? Ou ele não lê o que a teoria e acrítica literária legitimam como leitura ideal?Em busca dessas respostas, sem a pretensão de esgotá-las, mas simdesenvolver uma análise crítica, sempre me chamaram a atenção aspreferências dos leitores, quer sejam apontadas em pesquisas especializadas no assunto, na simples observação do cotidiano ou no contextoescolar e acadêmico. Saber da trajetória singular de cada leitor, seusprimeiros contatos com o universo da leitura, da recepção do texto, desuas impressões, de sua formação. por que aquele escritor é tão lido?.Em tempos atuais, muitos livros se tornam acessíveis ao leitor pelaintervenção da indústria cultural, sendo encontrados, a um preço bemreduzido, em lojas de departamentos, em supermercados, em feiras literárias, em sites e também nas livrarias, sendo que a quantidade destas

22 — Adriana Pindiminui a cada dia no nosso país. Muitas dessas obras que movimentamo mercado editorial acabam se transformando em roteiros de filme, emsérie e em adaptações para novelas, sendo, principalmente nestesformatos, consumidas por um leitor considerado não-especializado.Entender, portanto, a obra, a recepção do leitor e as razões da identificação deste com uma determinada narrativa parece-me crucial parabuscarmos alternativas para a promoção da leitura no Brasil, considerando como ponto de partida o que cada pessoa gosta e está preparadapara ler e compreendendo que existem textos diversos para leitoresdiversos. Analisar cada linha e entrelinha e como o leitor se apropriadesse conteúdo é fundamental para se delinear políticas públicas deleitura que possam alterar esse quadro ainda insuficiente apontado pelaspesquisas, tornando-nos, de fato, um país de leitores: desenvolvido,crítico, livre e consciente.São Mateus-ES, 05 de outubro de 2018.Adriana Pin

Capítulo 1IntroduçãoNo empenho de promover a leitura, de levar a população a ter acessoa livros, está subentendido, geralmente, que os textos devem ser dequalidade, ou seja, conter uma linguagem bem elaborada em associaçãoa uma imaginação incomum, original, criativa. E aqui começa a seleção ea exclusão, pois, para a crítica literária, intelectuais e estudiosos daLiteratura, em geral, nem toda leitura é válida. Há textos de qualidade eoutros que não o são. Cria-se, portanto, um impasse, em que grandeparte da população não tem contato, não lê e não se interessa peloscânones, tidos como ideal de leitura. Os motivos são diversos e complexos:falta/restrição de repertório linguístico, formação cultural, baixo poderaquisitivo para comprar um livro, entre outros. Em contrapartida, amaioria das pessoas consome os livros de mais fácil acesso, encontradosem bancas de revista, ou aqueles considerados mais interessantes, “omais lido/vendido do momento”.Diante dessa situação, assume-se ora uma postura de exclusão porparte de alguns intelectuais, acadêmicos, escritores, crítica literária eescola, ora um lucrativo negócio por parte da indústria cultural. E osbest-sellers, a literatura de autoajuda e a temática esotérica, entre outros,vão construindo “a terceira margem” da Literatura.Nesse cenário, cabe refletir sobre o itinerário de escrita construídopor Paulo Coelho, o qual circunscreve-se de uma maneira gradativa einteressante, tornando-se um fenômeno de marketing no âmbito dossistemas literários, em todo o planeta. Sabe-se do grande sucesso editorial do autor, tanto no Brasil como na Europa, Estados Unidos e em tantosoutros países – é considerado o autor brasileiro mais lido no mundo etem sua obra publicada em 168 países e traduzida para 81 idiomas –, noentanto, parte da crítica literária brasileira o vê com bastante reserva,no que se refere à qualidade de suas obras.

24 — Adriana PinAdentrando a narrativa coelhana, percebe-se que não é só pelaestratégia de marketing que o escritor é tão lido. Há, no texto de PauloCoelho, um “segredo” que move o leitor, página a página, algo além docotidiano, do olhar racional. A linguagem é simples, chegando até oleitor. Além disso, elementos como: simbologia, numerologia, o local e oglobal, bruxas, sonhos, o Bem e o Mal, sabedoria árabe, alquimia, irracionalismo, existencialismo e religiosidade atraem o leitor de Paulo Coelho.Mas quem é esse leitor? Qual sua condição histórica? Por que PauloCoelho é tão lido?No contexto da academia e da crítica literária brasileiras, falar emPaulo Coelho é, no mínimo, arriscar-se a críticas tidas como irrefutáveis,quando não raras são as vezes em que a narrativa coelhana é recebidacom uma certa ressalva. Investigando a fortuna crítica já produzida arespeito, é comum a postura de se partir do pressuposto de que tal obralocaliza-se no âmbito da subliteratura, tendo boa parte desses estudos oobjetivo principal de confirmar o que já se convencionou. Dentre osargumentos utilizados pela crítica, a linguagem e a temática repetitivavoltada para o esoterismo apresentam-se como os principais instrumentos para se atribuir à obra em questão um valor menor.Percorrendo o itinerário da narrativa coelhana, nota-se que, de fato,a sintaxe é simples, desprovida de construções complexas e do “Belo”estético, sendo possível que problemas relacionados ao emprego depronomes e de verbos e à concordância sejam também citados comoexemplos negativos. Entretanto, acredita-se que o escritor referido tenhaconsciência disso. Paulo Coelho sabe quem é seu leitor (isso é dito nasnarrativas), portanto mantém seu estilo.Cabe esclarecer que o propósito desta análise não é comparar, peloviés da linguagem, a obra de Paulo Coelho com os grandes cânones, pois,se assim o fosse, este estudo expiraria na primeira página. Os cânonestêm o seu lugar e o seu valor legitimados pelo tempo e pelos critérios devalidação estética. O objetivo, por conseguinte, é buscar entender oporquê de os textos de Paulo Coelho serem tão lidos e o que há neles quedesperta tanto interesse no leitor. Enfim, essa questão parece não ser tãorasa como talvez possa acreditar boa parte da crítica e da academia, pelocontrário, apresenta-se complexa quando se pretende entender essaidentificação do leitor com a obra, considerando-se o presente.Portanto, almejando estudar essa problemática apresentada,pretende-se, no capítulo “Literatura e Indústria Cultural”, estabeleceruma discussão acerca da indústria cultural, criando um diálogo entreTheodor W. Adorno, Max Horkheimer, Pierre Bourdieu, Umberto Eco,Luiz Costa Lima e Muniz Sodré. Inicialmente, será apresentado um

A recepção da obra de Paulo Coelho pela crítica literária e pelo leitor — 25panorama histórico, tomando como ponto de partida o contexto daRevolução Francesa e da ascensão do Capitalismo e da Burguesia. Nesseperíodo de transição entre o Feudalismo e o Capitalismo, evidenciam-seas transformações sofridas pelos camponeses, por meio das quais boaparte destes saiu do campo rumo aos grandes centros que começavam ase formar na Europa, como Londres, Paris e outros. No meio urbano,esses camponeses passaram a trabalhar como artesãos e, futuramente,como operários nas fábricas. Da condição de operário, o trabalhador,naquele momento, com nenhuma ou poucas leis que assegurassem seusdireitos trabalhistas, sofre uma intensa e desumana exploração pelosdonos das fábricas, ocorrendo sua massificação. O indivíduo, nessecontexto, sufocado por uma injusta jornada de trabalho, tenta, nosbreves momentos de folga, entregar-se ao descanso ou a um lazer sem oucom o mínimo de esforço possível.O Capitalismo, com o tempo, atinge seu ápice, o neoliberalismo,constituindo a era da globalização, na qual a sociedade é induzida detodas as maneiras possíveis a consumir, mesmo que não haja necessidadepara isso, aliás, essa necessidade é estrategicamente criada por essesistema, o qual de tudo tira proveito.A partir do século XVIII, a circulação de jornais e revistas se intensifica, ampliando o acesso do público leitor e transformando a função deescritor, que até esse momento necessitava de um mecenas ou do auxíliodo governo, sendo assim, paulatinamente, este passa por um processo deemancipação, profissionalizando-se. O livro, como qualquer outra obrade arte, também sofre uma mutação quanto a sua recepção, sendo considerado, também, uma mercadoria. A partir desse cenário de constantestransformações, cabe citar que, na contemporaneidade, a obra de artetorna-se um bem simbólico, passível de troca.No capítulo seguinte, são trazidos à baila alguns problemas quepermeiam a “Teoria Literária”. De início, são questionadas algumasconcepções de literatura, demonstrando quão complexo é sua conceituação. Em seguida, abordando o valor estético, percebe-se que atribuirum juízo, uma escala de valor, à obra literária também é complexo, principalmente em tempos e em espaços atuais, os quais estão localizados emum contexto socioeconômico em que tudo e todos precisam exercer umafunção, isto é, ser produtivos. É com a composição desse cenário que seintenta discutir a função da literatura.Para finalmente ponderar sobre a recepção da obra de Paulo Coelho,no capítulo posterior, faz-se a “Análise literária sob o prisma da sociologia da literatura” tomando-se como perspectiva a Sociologia daLiteratura visto o auxílio que oferece ao estudo de alguns aspectos da

26 — Adriana Pinobra literária, para tanto fundamentou-se em Antonio Candido e RobertEscarpit. A nível de esclarecimento, cabe evidenciar que a Sociologia daLiteratura preocupa-se não com os aspectos estéticos da obra literária,mas sim com aqueles capazes de investigar o contexto de produção erecepção de textos direcionados a um público leitor específico. Questõescomo edição, distribuição e circulação do livro interessam a essa teoria,entendendo que o ato da leitura é envolvido por esses fatores, influenciando na sua recepção. A função do escritor e sua relação com o públicoleitor também são consideradas por essa perspectiva de análise, servindode suporte para se entender a produção do escritor Paulo Coelho e suarelação com o grande contingente de leitores que atinge no mundo todo.O citado panorama aproxima-se da teoria da Estética da Recepção, aqual considera o leitor e seu contexto sócio-histórico. Fundamentando-se,principalmente, em

rária de Paulo Coelho, na qual o escritor é leitor e o leitor é escritor; o humano é divino e o divino é humano. E tudo é travessia, para lembrar : Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa. Advém daí, da incom-preensão de que tudo seja travessia, outro preconceito beletrista em