Análise Do Uso Da Analogia Com O

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Ensino de Química em nálise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Guiado pelo TWA no Ensino do Modelo Atômico deThomson: considerações e recomendaçõesTatiana C. Ramos e Nilmara B. MozzerNeste trabalho, analisamos os efeitos do uso do modelo Teaching with Analogies (TWA) sobre acompreensão dos estudantes da analogia entre o “pudim de passas” e o modelo atômico de Thomson. Osdados foram coletados em uma turma de Química do segundo ano do ensino médio de uma escola da redepública de Minas Gerais. Foram realizados registros em vídeo e áudio da aula de discussão da analogia, eum questionário foi aplicado após essa intervenção. Utilizamos a análise de conteúdo para categorizaçãodas ideias expressas pelos estudantes no questionário. Os resultados evidenciaram que o TWA potencializou o entendimento sobre a relação de similaridade proposta nessa analogia, mas outras lacunas como apouca familiaridade com o análogo permaneceram. Com base na literatura e nos resultados deste trabalho,apresentamos considerações sobre o TWA e discutimos que a criação, crítica e reformulação de analogiaspelos estudantes pode ser uma abordagem promissora para se trabalhar as analogias no ensino de Ciências.106analogia com o “pudim de passas”, modelo atômico de Thomson, TWA, ensino de químicaRecebido em 19/05/2017, aceito em 29/09/2017Ocontexto de ensino de Química é repleto de conceifisicamente distintos entre si, mas cujas entidades constitos abstratos e considerados de difícil compreensãotuintes desempenham papéis semelhantes nas estruturas dospelos estudantes. Nesse contexto, as analogiasdomínios comparados.podem ser ferramentas valiosasNo contexto de ensino, aspara facilitar a compreensão eanalogias podem ser utilizadasNo contexto de ensino, as analogiasvisualização de conceitos abscomo modelos de ensino, oupodem ser utilizadas como modelostratos, despertar o interesse dosseja, modelos criados com o inde ensino, ou seja, modelos criadosestudantes e auxiliar os profestuito de ajudar os estudantes nocom o intuito de ajudar os estudantessores a conhecerem as ideias dosentendimento de aspectos sobreno entendimento de aspectos sobre oestudantes (Duit, 1991).o conceito a ser ensinado (Justi,conceito a ser ensinado (Justi, 2010).Uma analogia é definida por2010). Nesse sentido, elas atuamNesse sentido, elas atuam como pontesGentner (1989) como um tipo decomo pontes conceituais paraconceituais para o entendimento doscomparação em que um conceitoo entendimento dos conceitosconceitos científicos pelos estudantes (Duitou uma situação familiar (domícientíficos pelos estudantes (Duite Treagust, 2003).nio base ou análogo) compartilhae Treagust, 2003).relações de similaridade com umApesar desse potencial dasconceito a ser ensinado (domínio alvo). Nesse sentido, atraanalogias como modelos de ensino, a sua utilização pelosvés das analogias os sujeitos podem observar semelhançasprofessores e autores de livros didáticos requer alguns cuientre objetos, fenômenos, estruturas etc., que podem serdados, como: Certificação de que o domínio análogo é familiar aosestudantes. Isso é primordial para que as relações deA seção “Ensino de Química em Foco” inclui investigações sobre problemas no ensinosimilaridade entre os domínios análogo e alvo sejamde Química, com explicitação dos fundamentos teóricos, procedimentos metodológicoscompreendidas (Duit, 1991; Mozzer e Justi, 2012);e discussão dos resultados.Quím. nova esc. – São Paulo-SP, BR.Análise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Vol. 40, N 2, p. 106-115, MAIO 2018

Levantamento das correspondências das similaridades“pudim de passas” e o modelo atômico de Thomson não sãoentre os domínios análogo e alvo. Quando não há o desuficientemente compreensíveis para os estudantes.vido direcionamento, podem ocorrer generalizações eAlém disso, Monteiro e Justi (2000) ressaltam a faltaraciocínios equivocados por parte dos estudantes (Duit,de familiaridade dos estudantes com o análogo (“pudim de1991; Haglund e Jeppsson, 2012);passas”). Esse aspecto também foi evidenciado no estudo Identificação das limitações das analogias. Nos casos emempírico realizado por Souza et al. (2006) com 99 estudantesque isso não ocorre, características irrelevantes podemque cursavam o primeiro ano do ensino médio em uma escolasobressair, ou seja, aspectos superficiais não comparáveispública e em outra particular, os quais já haviam estudado oentre o análogo e o alvo podem ser mais enfatizados quetema modelos atômicos em suas aulas de Química. Outrosas relações de similaridade comparáveis (Glynn, 1991;aspectos evidenciados nesse estudo foram: os estudantes nãoSouza et al., 2006).reconheciam a analogia com o “pudim de passas” como tal,Um exemplo de analogia comumente usada no contexconfundindo análogo e alvo; não compreendiam as relaçõesto de ensino da Química como um modelo de ensino é aanalógicas existentes; e não identificavam as limitaçõesestabelecida entre o “pudim depertinentes da analogia. Em outraspassas” e o modelo atômico depalavras, os estudantes contemAlém da problemática relacionada à formaThomson. Essa analogia – popuplaram negativamente todas asde apresentação da analogia entre olarizada por muitos professoresadvertências sobre o uso das ana“pudim de passas” e o modelo atômico dee elaboradores de materiais inslogias como modelos de ensino.Thomson, Lopes e Martins (2009) ressaltamtrucionais de diferentes níveisAssim, a forma como essaque existe um inconveniente relacionado àde ensino, que acreditam em seuanalogia vem sendo abordada noinadequação da analogia para representarpotencial de facilitar a compreencontexto do ensino de Química,algumas ideias do cientista Thomsonsão dos estudantes sobre aspectosaliada à falta de familiaridadereferentes ao modelo atômico propostoestruturais do modelo atômico dedos estudantes com o análogo e opor ele. Embora Thomson descreva elétronsThomson – possibilita as seguinlimitado poder explicativo dessa(inicialmente chamados de corpúsculos)tes correspondências de relaçõesanalogia (que se restringe a facidistribuídos em uma esfera uniformementede similaridade entre os domínioslitar a compreensão de um únicopositiva, desde suas primeiras explicaçõescomparados:aspecto do alvo), pode, ao contráele descreveu um átomo dinâmico (Lopes e as passas estão dispersas porrio de sua finalidade, dificultar aMartins, 2009).toda extensão do pudim comocompreensão do modelo atômicoos elétrons se encontram disde Thomson.persos por toda extensão do átomo; eAlém da problemática relacionada à forma de apresen a massa do pudim encontra-se distribuída de maneiratação da analogia entre o “pudim de passas” e o modelouniforme como existe uma distribuição uniforme daatômico de Thomson, Lopes e Martins (2009) ressaltammassa de natureza positiva do átomo.que existe um inconveniente relacionado à inadequaçãoUma análise dessas relações de similaridade nos permiteda analogia para representar algumas ideias do cientistanotar que o único aspecto estrutural do domínio alvo de queThomson referentes ao modelo atômico proposto por ele.essa comparação pode facilitar o entendimento é o da hoEmbora Thomson descreva elétrons (inicialmente chamadosmogeneidade na distribuição de cargas negativas e da massade corpúsculos) distribuídos em uma esfera uniformementepositiva no modelo atômico de Thomson.positiva, desde suas primeiras explicações ele descreveu umAinda assim, como enfatizado anteriormente, o uso dessaátomo dinâmico (Lopes e Martins, 2009). Para Thomson, osanalogia com a função de modelo de ensino requer algunselétrons se movimentavam em anéis:cuidados. Por esse motivo, vários autores (como: Monteiro eJusti, 2000; Souza et al., 2006; Lopes e Martins, 2009) têmNós temos primeiramente uma esfera positiva uniestudado a analogia com o “pudim de passas” no ensino doformemente eletrificada, e dentro dessa essa esferamodelo atômico de Thomson, buscando avaliar as formasum número de corpúsculos distribuídos numa sériede apresentação dessa analogia no ensino e sua utilidade emde anéis paralelos, o número de corpúsculos variaauxiliar a compreensão do conceito.de anel para anel: cada corpúsculo está girando emNa pesquisa realizada por Monteiro e Justi (2000), asalta velocidade na circunferência do anel em queautoras analisaram como autores de livros didáticos braestá situado, e os anéis estão distribuídos de formasileiros faziam uso de analogias nesses materiais; dentreque os com maior número de corpúsculos estão maiselas, a estabelecida entre o “pudim de passas” e o modelopróximos da superfície da esfera, enquanto aquelesatômico de Thomson. Elas evidenciaram que os autores doscom menor número de corpúsculos estão mais interlivros didáticos desconhecem o potencial das analogias comonos (Thomson, 1904a, p. 254-255).1modelos de ensino, e isso faz com que eles não tomem oscuidados necessários para a apresentação das mesmas aosÉ importante ressaltar que, para Thomson, os elétrons seestudantes. Como consequência, as similaridades entre omovimentavam em anéis concêntricos e, para determinar oQuím. nova esc. – São Paulo-SP, BR.Análise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Vol. 40, N 2, p. 106-115, MAIO 2018107

arranjo dos elétrons nesses anéis, ele estabeleceu a seguinteanalogia com ímãs flutuantes:108(.) um número de ímãs pequenos flutuam em umvaso de água. Os ímãs são agulhas de aço magnetizados com forças iguais e são lançados através depequenos discos de cortiça. Os ímãs são colocadosde modo que os polos positivos estejam todos paracima ou todos para baixo da superfície do água. Esses polos positivos, como os corpúsculos, repelem-semutuamente com forças variando inversamente coma distância entre eles. A força atrativa é exercida porum polo negativo (se os pequenos ímãs estiveremcom seus polos positivos acima da água) suspensoa alguma distância acima da superfície do água.Este polo irá exercer sobre os polos positivos dospequenos ímãs flutuantes, uma força atrativa (.).Assim, a força no polo dos ímãs flutuantes será muitosemelhante à força que atua no corpúsculo em nossoátomo hipotético. (.) a principal diferença é que oscorpúsculos são livres para se mover em todas asdireções, enquanto os polos dos ímãs flutuantes sãolimitados a mover-se em um plano paralelo à superfície da água (Thomson, 1904b, p. 144-145, traduçãolivre e grifo nossos).Thomson parece utilizar essa analogia no sentido destacado por Clement (2008), ou seja, como fonte de ideiaspara o seu modelo atômico em desenvolvimento. Nessarepresentação, atuariam forças atrativas e repulsivas, e oselétrons se encontrariam em movimento. Assim, pode-seperceber, por meio de sua analogia com os ímãs flutuantese das suas explicações sobre a localização dos corpúsculosem anéis, a ideia de um modelo atômico dinâmico, no qualexiste movimentação dos elétrons que o compõem (Lopese Martins, 2009).O contraste entre essas ideias e aquelas que fundamentama analogia com o “pudim de passas” aponta para a necessidade de uma investigação sobre a origem dessa analogia– principalmente porque alguns livros didáticos parecemassociar tal origem, implícita ou explicitamente, ao próprioThomson. O trecho a seguir ilustra esse ponto:O modelo atômico de Thomson propunha que oátomo fosse maciço, esférico, descontínuo (estruturanão uniforme; não homogêneo) e formado por um fluido com carga positiva no qual estavam dispersos oselétrons. O próprio Thomson associou o seu modeloa um “pudim de passas” em um trabalho apresentadoem 1897 (Usberco, 2006, p. 108, grifo no original).Como podemos observar nessa citação, o autor afirmaque foi o próprio Thomson quem comparou o átomo comum “pudim de passas”. No entanto, de acordo com os pesquisadores da área da Física, Hon e Goldstein (2013), aocontrário do que se pensa e muitas vezes se difunde, essaQuím. nova esc. – São Paulo-SP, BR.analogia não foi proposta por Thomson. Há indícios de queela tenha surgido em 1906, em um relato sobre as palestrasproferidas por Thomson. Segundo Hon e Goldstein (2013),em uma das notas existentes em um diário publicado pelaempresa Merck, encontra-se a primeira ocorrência da expressão “pudim de ameixas”2 (do inglês, plum pudding) paraexplicar a teoria de Thomson. No relato do repórter anônimoda Merck estava escrito: “um átomo consistiria, portanto,de minúsculas manchas, os corpúsculos negativos, nadandosobre uma esfera de eletrificação positiva, como passas emum parcimonioso pudim de ameixas” (Hon e Goldstein,2013, p. 131).O pudim de ameixas é uma sobremesa de origem inglesa, tradicionalmente servida no Natal. Ao realizarmos umabusca na internet por receitas tradicionais e imagens dessepudim, observamos, além do fato de o mesmo conter passase outras frutas secas, que sua massa, diferentemente da deum panetone, é bastante densa e consistente, como ilustraa Figura 1.Figura 1: Pudim de passas de origem inglesa. Disponível alindromeday-plum-pudding-lincolns-birthday/, acessado em Abril 2018.Portanto, observamos que o repórter, no intuito de comunicar sua compreensão do modelo de Thomson, descreveu-oa partir de sua percepção de relações de similaridade entreaquele e um objeto que lhe era familiar (o “pudim de passas”). Curiosamente, autores de livros didáticos e professoresapoderaram-se dessa analogia e, por isso, a sua divulgaçãoem diferentes níveis do ensino de Ciências é bastante ampla.Essa ampla divulgação, por sua vez, pode estar atrelada àcrença de professores e autores de materiais instrucionais deque a simples apresentação do conceito alvo por meio do análogo facilitará a compreensão do conceito pelos estudantes.Ao contrário, podemos perceber que algumas dificuldades dos estudantes na compreensão das analogias podemadvir da própria orientação do professor durante o uso dessesmodelos de ensino, como ressaltam Souza et al. (2006).Isso porque, como apontado anteriormente, se as principaisrelações analógicas e as limitações da analogia não foremdevidamente trabalhadas, possíveis incompreensões podemser realçadas em lugar de serem superadas pelos estudantes.Análise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Vol. 40, N 2, p. 106-115, MAIO 2018

O Modelo Teaching with Analogies (TWA)mapeamento das relações de similaridade e das limitações daanalogia são elementos essenciais para compreensão do alvo.Tendo em vista as recomendações discutidas anteriormente para o uso adequado das analogias como modelosObjetivosde ensino, surge a necessidade de diretrizes claras para setrabalhar de maneira adequada com esses recursos didáticos,Diante das discussões estabelecidas até aqui, o presentecomo as propostas por Glynn (1995), no modelo Teachingtrabalho visa: (i) analisar os efeitos da apresentação dawith Analogies (TWA), discutido a seguir.analogia com o “pudim de passas” guiada pelo TWA naGlynn (1991) adverte que uma das possíveis razões pelascompreensão dos estudantes sobre o modelo atômico dequais as analogias não são apresentadas, ou para que não sejaThomson; e (ii) a partir desses resultados e com base nadada a devida importância a elas no ensino, pode ser o fatoliteratura, apresentar considerações sobre o modelo TWA ede não se saber fazê-lo. Seu importante papel no processodiscutir outras possíveis formas de se trabalhar essa analogiade aprendizagem muitas vezes é negligenciado pelo fato deno ensino de Ciências.não se conseguir mapear (fazer olevantamento das correspondênMetodologiaGlynn (1991) adverte que uma dascias) explicitamente as relaçõespossíveis razões pelas quais as analogiasde similaridade entre o análogoA coleta de dados ocorreu emnão são apresentadas, ou para que nãoe o alvo.umaturma do segundo ano doseja dada a devida importância a elasSem esse mapeamento, as anaEnsino Médio de uma escola dano ensino, pode ser o fato de não selogias são muitas vezes limitadasrede pública de uma cidade nosaber fazê-lo. Seu importante papel noa simples afirmações, do tipo:interior de Minas Gerais. A turmaprocesso de aprendizagem muitas vezes“o átomo é como um pudim deera composta por trinta e oito esé negligenciado pelo fato de não sepassas”, as quais não fornecemtudantes, cuja faixa etária variavaconseguir mapear (fazer o levantamentoinstruções suficientes para queentre quinze e dezessete anos.das correspondências) explicitamente asos estudantes possam compreenEm observação aos princípiosrelações de similaridade entre o análogo eder as relações de similaridadedeética na pesquisa, antes dao alvo.almejadas pelo professor (Glynn,realização dessa pesquisa, um2007).Termo de Consentimento LivreBaseado em uma pesquisa com quarenta e três livrose Esclarecido (TCLE) foi assinado pelos estudantes e seusdidáticos de Ciências, e na análise das analogias apresentaresponsáveis, por se tratar de menores de 18 anos. Esse termodas neles, bem como na observação de alguns professorese o projeto a ele associado foram submetidos ao Comitê deao fazerem uso de analogias em sala de aula, Glynn (1991)Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Pretopropôs o modelo “Ensinando com Analogias” (Teaching withe aprovados pelo mesmo. Além disso, para preservação daAnalogies – TWA), constituído por seis operações para guiaridentidade dos estudantes, utilizamos códigos compostoso uso de uma analogia pelo professor no ensino. São elas:pela letra “A” e por números naturais consecutivos (A1,1. Introduzir o conceito alvo;A2.) para identificar suas intervenções.2. Rever o conceito análogo;Após observação da turma no contexto regular de suas3. Identificar as características relevantes do alvo e análogo;aulas de Química, durante o período de uma semana, a pes4. Mapear as semelhanças;quisadora (primeira autora deste trabalho) ministrou uma5. Identificar onde analogia falha; eaula de 50 minutos, com o objetivo principal de trabalhar a6. Tirar conclusões.analogia entre o modelo atômico de Thomson e o “pudimO modelo TWA é apresentado como uma estrutura guia,de passas”, a partir das etapas do modelo TWA.a qual pode tornar a alternativa de se utilizar analogias noNo momento dessa intervenção, além das pesquisadocontexto de ensino de Ciências mais plausível, uma vez queras autoras desse trabalho, estavam presentes na aula doisse propõe a dar suporte ao professor a fim de evitar possíveisestagiários do curso de Licenciatura em Química, os quaisproblemas do uso não planejado de uma analogia, como osobservavam regularmente as aulas de Química nessa turma,mencionados neste trabalho.a professora regente e 26 estudantes. Uma das pesquisadorasEsse instrumento foi avaliado por Treagust e Harrison(segunda autora deste trabalho) realizou as gravações em(1993), a partir da implementação de atividades do domínioáudio e vídeo, e os estagiários presentes fizeram anotaçõesda Física (Óptica). A principal crítica desses autores foi ode campo, as quais nos foram cedidas e nos auxiliaram nafato de que, em situações reais de sala de aula, os professoresdescrição e análise dessa aula.com frequência se esquecem de realizar uma ou mais dasInicialmente, conforme orientam as diretrizes do TWA, aoperações propostas no modelo de Glynn. Algo comprepesquisadora introduziu alguns aspectos do modelo atômicoensível, diante da dinamicidade dessas situações. Apesarde Thomson (etapa 1: introduzir o conceito alvo). Essa indessa crítica, os autores concordam com Glynn (2007) quetrodução foi feita por meio de uma breve discussão sobre oa familiaridade com o análogo, aliada à explicitação dotrabalho dos cientistas e sobre as principais ideias propostasQuím. nova esc. – São Paulo-SP, BR.Análise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Vol. 40, N 2, p. 106-115, MAIO 2018109

110por Dalton em seu modelo, na intenção de se discutir asde Thomson, e as limitações dessa comparação; a segundareformulações daquelas ideias por Thomson, baseado emsolicitava que eles aplicassem seus conhecimentos paranovas evidências.explicar, com ou sem o auxílio da analogia estudada, a atraDurante essa discussão introdutória, pôde-se constatar ação de pequenos pedaços de papel por uma régua após serdificuldade dos estudantes em lidar com a abstração daqueleatritada no cabelo; e a terceira, solicitava que os estudantesmodelo, pois, por diversas vezes, eles solicitavam algo conpropusessem melhorias na analogia estudada ou um novocreto, como um desenho ou uma imagem que materializasseanálogo para facilitar a compreensão do modelo de Thomson.o átomo. A pesquisadora afirmou, então, que havia uma comO questionário foi aplicado três semanas após a interparação que poderia facilitar a compreensão daquelas ideiasvenção das pesquisadoras. Esse espaçamento entre a aula ee, naquela ocasião, os próprios estudantes mencionaram oa aplicação do questionário se deu numa tentativa de minianálogo “pudim de passas”.mizar o efeito de respostas irrefletidas que poderiam advirAssim, deu-se início à segunda etapa do TWA (etapada simples retenção de informações na memória de curta2: rever o conceito análogo). A pesquisadora apresentouduração dos estudantes (Lent, 2005).a imagem da figura 1 e discutiu com os estudantes as caPara a categorização das ideias dos estudantes expressasracterísticas do análogo “pudim de passas”, visando suanas respostas ao questionário, utilizamos a análise de conteúfamiliarização com o mesmo.do de Bardin (2006). Segundo a autora, a análise de conteúdoApós a discussão do análogo e do alvo, a pesquisadora,se baseia em técnicas de análise das comunicações com acom a participação de alguns estudantes, ressaltou as prinintenção de inferir conhecimentos relativos às condições decipais características dos dois domínios (etapa 3: identificarprodução (ou eventualmente, de recepção). Nesse sentido,as características relevantes do alvo e análogo). Naquele moa análise de conteúdo permite ao pesquisador compreendermento, ela discutiu com os estudantes sobre a possibilidadecriticamente o sentido das comunicações, seu conteúdode se realizar um corte imaginário na extensão do átomo emanifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas.do “pudim de passas” buscando abordar, em específico, aUm conjunto de categorias foi criado a partir de umaideia de distribuição uniforme da carga negativa. Tal açãoanálise minuciosa das ideias centrais expressas pelos estufoi realizada em consideração aos resultados do trabalho dedantes em suas respostas ao questionário. Para isso, sempreSouza et al. (2006), que ressaltam a incompreensão dos esque necessário, utilizamos os dados da filmagem e as notastudantes sobre a distribuição dos elétrons por toda a extensãode campo dos estagiários para compreender mais sobre essasdo átomo, uma vez que os mesmos relacionam o análogo àideias e agrupá-las com base em pressupostos semelhantes.versão brasileira de um pudim (ou manjar), no qual as passas/O processo de categorização foi realizado pelas duasameixas encontram-se distribuídas somente na superfície.pesquisadoras e todas as divergências foram discutidas atéApós a discussão do mapeamento, a pesquisadora siso estabelecimento de consenso. Após a categorização dastematizou no quadro as relaçõesideias presentes nas respostasestabelecidas entre o “pudim dedos estudantes ao questionário, aDurante essa discussão introdutória, pôdepassas” e o modelo atômico (etafilmagem da aula foi novamentese constatar a dificuldade dos estudantespa 4: mapear as semelhanças). Asacessada com o objetivo de busem lidar com a abstração daquele modelo,similaridades destacadas foramcar indícios que nos permitissempois, por diversas vezes, eles solicitavamaquelas apresentadas no inícioavaliar se as ideias apresentadasalgo concreto, como um desenho ou umadeste artigo.pelos estudantes no questionárioimagem que materializasse o átomo. APosteriormente, a pesquisadohaviam sido discutidas durantepesquisadora afirmou, então, que haviara questionou os estudantes sobrea aula guiada pelo TWA ou seuma comparação que poderia facilitaras limitações daquela comparaeram ideias que os estudantesa compreensão daquelas ideias e,ção, esclarecendo o significadojá apresentavam antes daquelanaquela ocasião, os próprios estudantesdesse termo (etapa 5: identificardiscussão. Realizamos esse promencionaram o análogo “pudim deonde a analogia falha). As limicesso com a intenção de atenderpassas”.tações sugeridas pelos estudantesao nosso primeiro objetivo deforam sistematizadas no quadro.analisar os efeitos da apresentaçãoAo final da aula, quando a pesquisadora estava no proda analogia com o “pudim de passas” através das diretrizescesso de conclusão (etapa 6: tirar conclusões) e sistematido TWA na compreensão dos estudantes sobre o modelozação das ideias, foi notada uma evolução na participaçãoatômico de Thomson.dos estudantes, o que possibilitou uma maior interação daVisando atender ao nosso segundo objetivo de pesquisa,pesquisadora com a turma.fizemos uma busca na literatura das áreas de: (i) Ensino deElaboramos um questionário com o objetivo de analisarCiências e Cognição – para compreendermos mais sobrea compreensão dos estudantes sobre o modelo atômico deo modelo TWA e sobre o uso de analogias nos contextosThomson. Esse questionário era constituído de três questões:de ensino e científico. Isso possibilitou nosso reconhecia primeira delas solicitava aos estudantes que identificassemmento das potencialidades da criação e crítica de analogiasas relações entre o “pudim de passas” e o modelo atômicopelos cientistas (durante a resolução de problemas) e pelosQuím. nova esc. – São Paulo-SP, BR.Análise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Vol. 40, N 2, p. 106-115, MAIO 2018

estudantes (para a expressão e [re]elaboração de suas ideiassobre os conceitos) e permitiu-nos fundamentar nossa sugestão sobre o uso da analogia com o “pudim de passas” apartir do contraste entre esta e as analogias criadas pelosestudantes; e (ii) História e Filosofia da Ciência – paracompreendermos aspectos mais profundos sobre o alvo(modelo atômico de Thomson) e sobre o análogo (“pudimde passas”) que nos possibilitassem um entendimento maisadequado das relações de similaridade que poderiam serestabelecidas entre eles e das limitações dessa comparação.Nesse sentido, algumas discussões já foram iniciadas na parteintrodutória deste trabalho, e serão retomadas nas próximasseções, subsidiadas também por alguns de nossos resultados.Resultados e DiscussãoSistematizamos nossos resultados no Quadro 1, a seguir.Esse quadro apresenta os temas abordados nas questões, ascategorias que foram criadas a partir da análise de conteúdodas respostas dos estudantes ao questionário e a porcentagem de respostas que se enquadrou em cada uma daquelascategorias.Em resposta à primeira pergunta do questionário, aqual solicita que os estudantes identifiquem as relações desimilaridade entre os dois domínios (“pudim de passas” emodelo atômico de Thomson), a distribuição das passas nopudim e de elétrons no átomo foi frequente nas respostasdos estudantes (41,9%). Segue um exemplo de respostaque enquadramos nessa categoria: “O pudim de passas temvárias passas espalhadas por toda a sua massa. Assim comono modelo atômico de Thomson estão espalhados elétronspor toda a sua massa” (A1). Esse resultado indica que boaparte dos estudantes foi capaz de reconhecer esta relaçãode similaridade entre os domínios comparados por meio daapresentação da analogia guiada pelas diretrizes do TWA.É possível notar que um grande número de estudantesQuadro 1: Resumo dos resultados referentes ao questionárioTema das Questões1- Relações de similaridadealvo/análogo*2- Limitações da analogia3- Explicação do fenômeno deeletrização por atrito4- Criação de uma novaanalogia e/ou aprimoramentoda analogia com o “pudim depassas”CategoriaN de estudantes(%)Relação entre a distribuição das passas no pudim edos elétrons no átomo1341,9Resposta em branco1445,2Relação entre a massa distribuída de maneira uniformeno pudim e no átomo39,7Identificação de características similares superficiais412,9Identidade entre o análogo e o alvo (ou aspectosdestes)26,4Confusão entre modelos atômicos13,2Massa positiva maior que a massa total de elétrons13,2Identificação de características similares superficiaisentre alvo e análogo929,0Pudim macroscópico e átomo submicroscópico26,4Identidade entre o análogo e o alvo (ou aspectosdestes)26,4Características superficiais distintas entre o modeloatômico e o pudim na versão brasileira39,7Elétrons distribuídos somente na superfície do átomo516,1Resposta em branco1135,5Explicação coerente sem utilização da analogia412,9Confusão de ideias/ incoerência1858,1Resposta em branco929,0Dificuldade em lidar com a abstração do modelo atômico619,3Desqualificação do análogo, devido a não correspondência de características similares superficiais722,6Confusão de ideias/incoerência722,6Proposição de um novo análogo412,9Resposta em branco722,6*O somatório do percentual de estudantes nesta questão excede 100% devido às respostas que se enquadraram em mais deuma categoria.Quím. nova esc. – São Paulo-SP, BR.Análise do Uso da Analogia com o “Pudim de Passas”Vol. 40, N 2, p. 106-115, MAIO 2018111

112(45,2%) não respondeu à primeira questão. Atribuímos esseos estudantes que, apesar de os elétrons estarem dispostosresultado ao fato de que um número significativo deles, quepor toda extensão do átomo como as passas no pudim, aestava presente na data de aplicação do questionário, nãoorganização deles nesses dois domínios difere: enquanto osesteve presente na aula em que foi discutida a analogia comelétrons encontram-se organizados em anéis no modelo deo “pudim de passas”. Além disso, possíveis causas comoThomson, as passas encontram-se aleatoriamente distribuía incompreensão das atividades propostas e da analogia,das no pudim. Além disso, os elétrons não estão incrustadostambém precisam ser consideradas.(arraigados, fixos) no átomo como as passas em um pudim,Os resultados dessa pesquisa também evidenciam que,eles estão em constante movimento nos anéis.mesmo com a tentativa de aumentar a familiaridade dosA discussão dessas limitações

positiva no modelo atômico de Thomson. Ainda assim, como enfatizado anteriormente, o uso dessa analogia com a função de modelo de ensino requer alguns cuidados. Por esse motivo, vários autores (como: Monteiro e Justi, 2000; Souza et al., 2006; Lopes e Martins, 2009) têm estudado a analogia com o "pudim de passas" no ensino do