Escola Paulista Da Magistratura

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Revista daEscola Paulistada MagistraturaFederalismo ePoder Judiciário

DiretorDesembargador Francisco Eduardo LoureiroVice-DiretorDesembargador Luís Francisco Aguilar CortezConselho Consultivo e de ProgramasDesembargador Aroldo Mendes ViottiDesembargador Eduardo Cortez de Freitas GouvêaDesembargador Francisco José Galvão BrunoDesembargador Hermann HerschanderDesembargador Milton Paulo de Carvalho FilhoDesembargador Tasso Duarte de MeloJuiz Gilson Delgado MirandaCoordenadores da Biblioteca e RevistasDesembargador Wanderley José FederighiJuiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha FilhoCoordenadores da obraJuiz Renato Siqueira De PrettoJuiz Richard Pae KimJuiz Thiago Massao Cortizo Teraoka

Renato Siqueira De PrettoRichard Pae KimThiago Massao Cortizo Teraoka(Coordenadores)Federalismo ePoder JudiciárioEscola Paulista da MagistraturaSão Paulo, 2019

CoordenaçãoRenato Siqueira De PrettoRichard Pae KimThiago Massao Cortizo TeraokaCoordenação editorialMarcelo Alexandre BarbosaCapaEsmeralda Luana Wonke ScopesiEditoração, revisão, CTP, impressão e acabamentoPersonal 7 Produtos PromocionaisDiagramaçãoDirceu CaróciRevisãoYara Cristina MarcondesTiragem700 exemplaresFederalismo e Poder Judiciário / coordenação: Renato Siqueira de Pretto,Richard Pae Kim e Thiago Massao Cortizo Teraoka. São Paulo:Escola Paulista da Magistratura, 2019.Vários autores.ISBN 978-85-906790-4-21. Direito - coletânea. 2. Direito Constitucional - Brasil. 3. Federalismo.4. Poder judiciário. I. Pretto, Renato Siqueira de. II. Kim, Richard Pae.III. Teraoka, Thiago Masso Cortizo. IV. Título.CDU-342.24(81)(082)Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço de Acervo daBiblioteca da Escola Paulista da MagistraturaBibliotecária: Cintia Pontes de Souza - CRB8/5730Escola Paulista da MagistraturaRua da Consolação, 1.483 - 1º, 2º, 3º e 4º andares01301-100 - São Paulo - SPFones: (11) 3255-0815 / 3257-8954www.epm.tjsp.jus.br – imprensaepm@tjsp.jus.br

SumárioApresentaçãoRenato Siqueira De Pretto, Richard Pae Kim e Thiago Massao Cortizo Teraoka 7Repercussão geral do recurso extraordinário: dever de demonstraçãoda transcendência e relevância da questão constitucionalLuiz Edson Fachin e Luiz Henrique Krassuski Fortes.9Princípio federativo e limites do poder regulamentar do ConselhoNacional de Justiça – Art. 103-B, da Constituição Federal de 1988Nelson Jorge Junior.35O Poder Judiciário e a qualidade da democracia. Sobre ascaracterísticas de um Judiciário de alta performance e as lidesrepetitivas como desafio para a eficiência no exercício da jurisdiçãoAlexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho.53O minimalismo de Cass Sunstein, o Mandado de Segurança 34.023e o pacto federativoFabiana Tsuchiya.79Crise e reforma do sistema brasileiro de JustiçaFábio Henrique Falcone Garcia.99Aspectos da divisão do poder no Brasil. Relações entre separaçãodos poderes e federalismoFelipe Albertini Nani Viaro.123Atividade constituinte nos estados e nos municípiosFernanda Dias Menezes de Almeida.143A federalização de políticas públicas de resolução de conflitosno Brasil e nos Estados UnidosHeliana Maria Coutinho Hess e David Massaki Tuzi.173Independência e accountability judiciáriasJosé Duarte Neto.197

A tendência contemporânea do federalismo no Brasil de acordo com oSupremo Tribunal FederalLetícia Antunes Tavares.235Federalismo, Poder Judiciário e a Resolução 230 do CNJLuciana Simon de Paula Leite.255O direito à educação e as competências dos entes federadosno Brasil: complexidade, pouca colaboração, baixa coordenaçãoNina Ranieri.261O princípio da simetria na Federação brasileira e sua perspectivajurisdicionalPedro Siqueira De Pretto e Renato Siqueira De Pretto.285Limites do poder regulamentar do Conselho Nacional de Justiça.Estudo de um caso: Resolução CNJ nº 236/16Ricardo Dal Pizzol.311O Conselho Nacional de Justiça e suas políticas judiciáriasgarantidoras de direitos fundamentaisRichard Pae Kim.331O ativismo judicial à luz da separação de poderes e da crise doparlamento na idade contemporâneaRodrigo Augusto de Oliveira.359A “política de atenção prioritária ao primeiro grau de jurisdição”.Anotações sobre as resoluções do Conselho Nacional de Justiça(CNJ) nºs 194/2014, 195/2014 e 219/2016Thiago Massao Cortizo Teraoka.423

ApresentaçãoTemos a honra de apresentar a obra Federalismo e Poder Judiciário,publicada pela Escola Paulista da Magistratura (EPM). A obra reflete os trabalhos das reuniões do terceiro Núcleo de Estudos em Direito Constitucional daEPM (2017-2018), composto por magistrados interessados na pesquisa e nacompreensão de assuntos atuais e controvertidos do Direito Constitucional.O Federalismo é tema clássico e que tem exigido grande esforço para asua adequada compreensão. Sua concepção original remonta à ConstituiçãoAmericana de 1787. No Brasil, a federação foi instaurada pelo Governo Provisório, por meio do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, que tambéminstituiu a forma republicana de governo.É certo que na história constitucional brasileira tem havido um movimento pendular de centralização e de descentralização do poder, gerandomudanças nem sempre esperadas de forças institucionais nos poderes darepública. Atualmente, a Constituição de 1988, que para muitos estudiososacabou por revigorar as forças do federalismo, também implantou em nossopaís uma extraordinária centralização do poder nas mãos da União, permitindo que estados federados e municípios vivam uma fragilidade fiscal e econômica, com limitações exageradas das suas competências, a comprometera efetividade dos serviços públicos que são prestados aos cidadãos.Por sua vez, o Poder Judiciário, desde a Lei Orgânica da MagistraturaNacional (Lei Complementar nº 35/1979), promulgada sob a égide da Emenda Constitucional nº 07/1977, tem dado passos a seu tratamento único enacional, o que se concretizou com a Emenda Constitucional nº 45/2004, ea consequente criação e funcionamento do Conselho Nacional de Justiça.O tema é, pois, de grande atualidade e relevância. Os limites das forças centrífuga e centrípeta em nosso federalismo e, em especial, no PoderJudiciário, foram debatidos em nosso núcleo, e parte dos resultados dasreflexões dos palestrantes e dos magistrados se encontram nesta obra.Agradecemos a todos os colegas que, com muito empenho, tiveramparticipação ativa no núcleo e, em especial, àqueles que nos brindaram comtextos para esta publicação. Registramos ainda nossa profunda gratidão aosrenomados professores que nos deram a oportunidade de dialogar: RodrigoCapez, Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, Otavio Luiz Rodrigues Junior,Bruno Ronchetti de Castro, Oscar Valente Cardoso e ao eminente MinistroEdson Fachin (STF).Aproveitamos o ensejo para saudar, em especial, aos digníssimos Desembargadores Doutores Antonio Carlos Villen e Francisco Eduardo Loureiro,

antigo e atual Diretores da EPM, e lhes agradecer pela confiança nos trabalhos de nosso Núcleo de Estudos em Direito Constitucional. Lembramos,igualmente, que a publicação não seria possível sem o apoio de toda a equipe da imprensa da Escola Paulista da Magistratura e dos servidores que estãonos ajudando a conduzir esse grupo.Por fim, esperamos que esta coletânea de artigos Federalismo e PoderJudiciário seja útil aos seus leitores e proporcione reflexões a respeito dainstigante matéria.Ex corde.São Paulo, julho de 2019.Renato Siqueira De PrettoCoordenador do NúcleoRichard Pae KimCoordenador do NúcleoThiago Massao Cortizo TeraokaOrganizadores

Repercussão geral do recurso extraordinário: dever de demonstração.9Repercussão geral do recurso extraordinário:dever de demonstração da transcendência erelevância da questão constitucionalLuiz Edson Fachin1Ministro do Supremo Tribunal FederalLuiz Henrique Krassuski Fortes2AdvogadoSumário: 1. Delimitação do objeto do ensaio; 2. Pressupostos deanálise; 2.1. Jurisdição Recursal Extraordinária e a Repercussão Geral: Inexistência de Direito à Cognoscibilidade do Recurso pela meraSucumbência; 2.2. Além do caso em si mesmo: a delimitação da questão constitucional; 3. Fundamentação da repercussão geral da questãoconstitucional discutida no recurso: dever não suprimível pelo SupremoTribunal Federal; 3.1. Dever de Demonstrar Analiticamente a Repercussão Geral da Questão Constitucional: Reflexo Democrático do Dever deFundamentação Analítica das Decisões Judiciais; 3.2. A FundamentaçãoAdequada da Decisão que Reconhece a Deficiência de FundamentaçãoAnalítica da Preliminar de Repercussão Geral e a sua Recorribilidademediante Agravo Interno; 4. Apontamentos finais; Referências.Resumo: neste ensaio, propõe-se debate sobre razões e consequências do indelegável papel atribuído pela Constituição aos recorrentesna demonstração analítica da repercussão geral para provocar a jurisdição do Supremo Tribunal Federal mediante recurso extraordinário, demodo a permitir que a Corte leve a efeito a sua vocação constitucionalde guarda da Constituição.Palavras-chave: Repercussão Geral; Dever; Demonstração analítica pelo recorrente.Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Professor Titular de Direito Civil da Faculdade deDireito da UFPR.2Bacharel em Direito pela UFPR. Acadêmico laureado pela UFPR (Prêmio Professor Teixeira de Freitas– Primeira Classificação Geral no Curso de Direito). Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR.Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Foi Oficialde Gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal (2015-2017). E-mail: krassuski@gmail.com1

10Luiz Edson Fachin e Luiz Henrique Krassuski Fortes1. Delimitação do objeto do ensaioO regramento do exercício da jurisdição no Supremo TribunalFederal é informado pela normatividade que deflui diretamente daConstituição da República, dos direitos fundamentais e das garantiasprocessuais nela estampados. É, portanto, com olhar atento à tessitura constitucional que se deve diligentemente buscar resposta paraas intrincadas questões processuais que se colocam, sem, no entanto,descurar da materialidade da vida concreta e real, da qual o processoé instrumento3.Apresentam-se, assim, as presentes reflexões sobre o dever de orecorrente demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais que pretende ver dirimidas em recurso extraordinário (art. 102, §3º, CRFB e art. 1.035, § 2º, CPC).Nessa toada, pretende-se propor debate sobre as razões e consequências do indelegável papel atribuído pela Constituição aos recorrentes na demonstração analítica da repercussão geral para incoar ajurisdição do Supremo Tribunal Federal mediante recurso extraordinário, de modo a permitir que a Corte leve a efeito a sua vocação constitucional de guarda da Constituição.Este ensaio é, em tal dimensão, uma singela proposta de problematização na perspectiva de um constante debate acadêmico.2. Pressupostos de análise2.1. Jurisdição Recursal Extraordinária e a Repercussão Geral:Inexistência de Direito à Cognoscibilidade do Recurso pelamera SucumbênciaA entrada em vigor de um novo Código traz consigo a oportunidade de refletir sobre os mais variados temas que permeiam o exercícioda jurisdição no marco do Estado Constitucional.Como é sabido, as normas fundamentais constitucionais ordenam,disciplinam e guiam a interpretação do Direito Processual Civil, seuslimites e suas possibilidades. Se a vivificação dessa compreensão já se3Alerta Luiz Guilherme Marinoni que “a nossa modernidade está na consciência de que o processo,como o direito em geral, é um instrumento da vida real, e como tal deve ser tratado e vivido”.MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 19.

Repercussão geral do recurso extraordinário: dever de demonstração.11implementava cotidianamente no exercício diário da Jurisdição, foi alçada topograficamente ao art. 1º da nova codificação processual civil,com inegável relevo nos planos normativo e simbólico.Sem embargo de controvérsias e percepções distintas4, fruto deseu tempo e das reflexões teóricas e práticas que o permeiam, o Código de Processo Civil tem nos variados dispositivos que versam sobreprecedentes uma de suas mais significativas marcas5.Dessa maneira, impõe-se um convite à academia e à magistraturaa realizar maiores reflexões sobre a divisão hierárquico-funcional dajurisdição civil à luz da Constituição6 e sobre o próprio funcionamento456Como aduzem Lênio Luiz Streck, Dierle Nunes, Leonardo Carneiro da Cunha e Alexandre Freire, está-se diante do “primeiro Código Processual do país aprovado em plena democracia”, de modo queainda que seja passível de críticas, “as virtudes suplantam os eventuais defeitos” Apresentação. In:STRECK, Lênio Luiz. Art. 489. In: STRECK, Lênio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da(Org.). FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,2016. Nesse sentido, controvérsias e percepções distintas sobre a interpretação de seus dispositivossão conaturais ao debate democrático, havendo, portanto, um constante convite ao diálogo.Na doutrina nacional podem-se citar, exemplificativamente, os seguintes livros publicados nos últimos anos tratando especificamente do tema dos precedentes, contextualizando os debates que jáestavam sendo travados sobre o tema: TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fontedo direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: odesenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,2008; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2013; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012; MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dosprecedentes: justificativa do novo CPC. Revista dos Tribunais, 2014; ZANETI JUNIOR., Hermes. Ovalor vinculante dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015; MITIDIERO, Daniel. Precedentes: dapersuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016; PUGLIESE, William. Precedentes e acivil law brasileira: interpretação e aplicação do novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revistados Tribunais, 2016. Dignas de nota, no âmbito internacional e comparado, as coletâneas organizadas por MacCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert (Org.). Interpreting precedents: a comparative study.Aldershot: Ashgate, 1997, e, mais recentemente, por BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de; BERNALPULIDO, Carlos (Org.). On the philosophy of precedent: Proceedings of the 24th World Congress ofthe International Association for Philosophy of Law and Social Philosophy, Beijing, 2009. Stuttgart:Franz Steiner Verlag und Nomos, 2012.Nesse sentido, confira-se: “[.] o processo civil passou a responder não só pela necessidade de resolver casos concretos mediante a prolação de uma decisão justa para as partes, mas também pelapromoção da unidade do direito mediante a formação de precedentes. Daí que o processo civil noEstado Constitucional tem por função dar tutela aos direitos mediante a prolação de decisão justapara o caso concreto e a formação de precedente para promoção da unidade do direito para a sociedade em geral. Essa finalidade responde a dois fundamentos bem evidentes do Estado Constitucional– a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica. E é justamente levando em consideraçãoesses dois elementos que é possível visualizar esses dois importantes discursos que o processo civildeve ser capaz de empreender na nossa ordem jurídica a fim de que essa se consubstancie em umaordem realmente idônea para tutela dos direitos. Somente a partir dessa dupla perspectiva é quese mostra possível distribuir as competências entre as cortes judiciárias no Estado Constitucional.”MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 16.

12Luiz Edson Fachin e Luiz Henrique Krassuski Fortesque se espera de um órgão de cúpula do Poder Judiciário e Corte Constitucional no seio de uma democracia constitucional7.No que aqui interessa, das próprias hipóteses constitucionais de cabimento do recurso extraordinário, como se colhe das alíneas do art.102, III, CRFB, extrai-se muito nitidamente tratar-se de recurso de fundamentação vinculada que “tem como escopo a tutela imediata do direitoobjetivo, da ordem jurídica e, mediatamente, do direito da parte vencidacom a transgressão da norma constitucional”, diante do qual, portanto,[.] não é suficiente que a parte sucumbente comprove a existência de uma decisão desfavorável. Simultaneamente a isto, é imprescindível que ela demonstre que o ato impugnado agravou-lhe a situaçãopor ter infringido a ordem positivo-constitucional8.É importante frisar, portanto, que se, por um lado, revela-se maisevidente a tutela imediata do direito objetivo, o recurso extraordináriomantém ínsito o interesse subjetivo do recorrente na solução da causa,de modo que o Supremo Tribunal Federal não se qualifica como umapura corte de cassação, mas, uma vez conhecido o recurso, como regrageral efetivamente julga a causa, aplicando-lhe o direito (art. 102, III,CRFB, e art. 1.034, CPC)9.Essa dimensão de tutela imediata do direito objetivo e mediatados interesses subjetivos das partes ficou mais evidente com a EmendaConstitucional nº 45/2004, que incluiu o § 3º no art. 102, CRFB, estabelecendo queno recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, afim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestaçãode dois terços de seus membros.789Confira-se: MENDES, Conrado Hübner, Constitutional courts and deliberative democracy. Oxford:Oxford University Press, 2013; MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 884.Nesse mesmo sentido a doutrina aponta para o entendimento objeto da Súmula 283, STF, que dispõe ser “[.] inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em maisde um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles” para evidenciar que se o recursoextraordinário fosse instrumento tão somente da tutela objetiva da ordem jurídica a impugnaçãode qualquer dos fundamentos já seria suficiente para justificar pronunciamento da Corte. DIDIERJÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador:JusPodivm, 2016. p. 333. v. 3: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais.

Repercussão geral do recurso extraordinário: dever de demonstração.13Tal texto normativo, como não poderia deixar, foi replicado no §2º, do art. 1.035, CPC, que dispõe que “o recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral”.Por sua vez, a definição legal de repercussão geral é atualmenteregrada pelo § 1º do art. 1.035, CPC, que reza que “para efeito derepercussão geral, será considerada a existência ou não de questõesrelevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico queultrapassem os interesses subjetivos do processo”, mantendo praticamente inalterados, nesse ponto, os contornos delineados pelo CPC/1973em seu artigo 543-A, com a redação dada pela Lei nº 11.418/2006.Como anotaram em sede doutrinária Luiz Guilherme Marinoni eDaniel Mitidiero, no que se refere à repercussão geral o[.] nosso legislador alçou mão de uma fórmulaque conjuga relevância e transcendência. [.] Aquestão debatida tem de ser relevante do ponto devista econômico, político, social ou jurídico, alémde transcender para além do interesse subjetivodas partes na causa. [.] Ressai de pronto da redação do dispositivo, a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, o que aponta imediatamentepara a caracterização da relevância e transcendência da questão debatida como algo a ser aquilatadoem concreto, nesse ou a partir desse ou daquelecaso apresentado ao Supremo Tribunal Federal.10A previsão de conceitos jurídicos indeterminados pelo legisladorpara a definição do que sejam as questões relevantes e transcendentesaptas a caracterizar a repercussão geral, ao invés de mostrar um afastamento da concretude do caso, acaba por evidenciar com ainda maiornitidez não apenas a importância do caso, mas, especialmente, o papelsignificativo confiado à atuação do recorrente na demonstração sobre aforma como o julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal estáem harmonia com o preenchimento de tais conceitos indeterminados.Vale dizer, a previsão de tais conceitos evidencia que o recorrenteé verdadeiro protagonista na demonstração sobre o modo como o julgamento da questão que se pretende ver discutida no recurso extraordinário impactará de forma transcendente em uma questão relevanteem dimensão econômica, política, social ou jurídica.10MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 3. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 40.

14Luiz Edson Fachin e Luiz Henrique Krassuski FortesAssim, torna-se possível recompreender como, no recurso extraordinário, reconciliam-se o interesse subjetivo do recorrente (juslitigatoris), voltado ao passado, de um lado, e, de outro, o interessede tutela objetiva da ordem jurídica constitucional em sua transcendência e relevância (jus constitutionis), voltado ao futuro, do qual, porsua vez, o recorrente, na perspectiva do dever de demonstração darepercussão geral, em que o recorrente encontra a legitimidade paraprovocação de manifestação do Supremo Tribunal Federal, investidoque é de tal legitimidade pelo sistema constitucional e legal.Há, dessa maneira, uma clara passagem do caso em si para o casoalém de si mesmo11. Seguindo por esta senda, conclui-se inexistir umdireito à cognoscibilidade do recurso extraordinário em razão da merasucumbência. Caso o recorrente queira fazer prevalecer o seu interessemediante a impugnação recursal extraordinária, há, em contrapartida,o dever de demonstrar a repercussão geral da questão que quer verdiscutida a fim de que seu recurso seja conhecido.2.2. Além do caso em si mesmo: a delimitação da questãoconstitucionalComo delineado no item anterior, é possível começar a ver como odever constitucionalmente atribuído à parte recorrente de demonstraras questões relevantes e transcendentes aptas a caracterizar a presença da repercussão geral ganha contornos diferentes daqueles quedefluíam da compreensão de que a decisão do caso concreto por si sóconseguiria outorgar a adequada proteção à ordem jurídica constitucional objetivamente considerada.Sobreleva bastante nítida, desde logo, a dimensão democrática daquestão, que igualmente aponta que, para além do caso em si mesmo,não se deve, no todo, descurar da reconstrução da narrativa sobre aordem jurídica realizada pela decisão recorrida. Dito isso, não há quese confundir a boa caracterização do caso com a fundamentação de11Nessa mesma toada, confira-se: “Com o redimensionamento do papel dessas cortes, o controle dasdecisões tomadas no caso concreto (a aplicação do direito à espécie, como menciona o art. 1.034) éapenas um meio a fim de que a real finalidade dessas cortes possa ser desempenada: o oferecimentode razões capazes de diminuir a indeterminação do direito mediante adequada interpretação. Seantes a interpretação era o meio e o controle do caso era o fim, agora o controle do caso é o meioque proporciona o atingimento do fim interpretação” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, SérgioCruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 555. v. 2: Tutela dos direitos mediante procedimento comum.

Repercussão geral do recurso extraordinário: dever de demonstração.15mérito do recurso extraordinário sobre a cassação ou reforma da decisão recorrida.Nesse sentido, Guilherme Beux Nassif Azem aduziu que a Corte[.] deve levar em consideração não os motivosdeclinados pelo recorrente para a reforma ou cassação da decisão (o porquê), mas sim aquilo cujareforma ou cassação é buscada (o quê). Mesmoque o recorrente baseie a alegação de violação àConstituição em um ou outro dispositivo, isso nãoimportará – e muito menos vinculará – na apreciação da preliminar.12Vale dizer, a importância da caracterização do caso de onde brotaa questão que se alega relevante e transcendente impactará sobremaneira na dinâmica que leva ao reconhecimento, no julgamento sobrea presença ou não da repercussão geral, da concretização feita pelaparte recorrente dos conceitos jurídicos indeterminados previstos no§ 1º, do art. 1.035, CPC.Inclusive é nesta dimensão democrática que o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de, na análise da repercussão geral, orelator admitir a manifestação de terceiros, desde que subscrita porprocurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do SupremoTribunal Federal (art. 1.034, § 4º, CPC).Destarte, somente quando a parte recorrente se desincumbe adequadamente de seu dever de demonstração da repercussão geral é quese pode cogitar de uma participação informada de terceiros na condição de amici curiae, os quais eventualmente poderão vir aos autosquer para apresentar manifestação em reforço da tese da presença darelevância e transcendência da questão constitucional, quer em sentido contrário ao seu reconhecimento13.AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 87-88.13Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 48. Em sentido contrário, Pedro Mirandade Oliveira defende ser vedada a manifestação de amici curiae que busquem demonstrar a ausênciade repercussão geral, tendo em vista que a sua intervenção, “por si só, já seria suficiente parademonstrar a transcendência da causa ou, pelo menos, que a matéria debatida interessa a outraspessoas”. OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Art. 1.035. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.).Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 2424.12

16Luiz Edson Fachin e Luiz Henrique Krassuski FortesDe outra banda, não obstante a demonstração mediante fundamentação da parte recorrente constitua um passo necessário, umaverdadeira antessala para que a Corte possa debruçar-se sobre o reconhecimento, ou não, da existência da repercussão geral da questão,as razões esquadrinhadas pela parte não vinculam o Supremo TribunalFederal nessa análise14.Isso ocorre porque, como pontuado por Luiz Guilherme Marinoni eDaniel Mitidiero,[.] sendo o recurso extraordinário canal de controle de constitucionalidade no direito brasileiro,pode o Supremo admitir o recurso extraordinárioentendendo relevante e transcendente a questãodebatida por fundamento constitucional diversodaquele alvitrado pelo recorrente. É o que ocorre,e está de há muito sedimentado na jurisprudênciado Supremo, a respeito da causa de pedir da açãodeclaratória de constitucionalidade ou da açãodireta de inconstitucionalidade, fenômenos semelhantes que, aqui, encontram ressonância15.Fica bastante nítido, desde já, existir, nos termos do texto constitucional e legal (art. 102, § 3º, CRFB, e art. 1.035, § 2º, CPC), indelegávelpapel atribuído pela Constituição e pelo CPC aos recorrentes para provocar a análise da repercussão geral da questão constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, com assento no dever específico de demonstrá-la.Foge aos limites deste artigo discutir a desvinculação da fundamentação suscitada pela parte nãoapenas no que diz respeito à preliminar de repercussão geral, mas também quanto ao próprio desatemeritório da questão constitucional trazida à cognição do STF mediante recurso extraordinário. Oponto, porém, merece maior verticalização e não passou despercebido pela doutrina já nos primeiros anos de vigência da repercussão geral, como se colhe exemplificativamente da seguinte passagem: “Talvez seja ainda prematuro falar-se em causa petendi aberta nos recursos extraordinários,já que a questão constitucional precisa estar delimitada, inclusive para a adequada informação dosjulgamentos futuros dos feitos múltiplos. Entretanto, os primeiros julgamentos da Corte Constitucional em temas de repercussão geral pavimentam um caminho no sentido da superação dos lindestradicionais, inclusive o prequestionamento. Na medida em que a Corte julgará definitivamente aquestão constitucional, é esperado que todos os elementos que possam contribuir para que estejulgamento enfrente com segurança jurídica a matéria sejam passíveis de cognição. E para que talocorra, alguns dogmas erigidos a partir do paradigma individualista do processo civil precisam sersuperados”. FERRAZ, Taís Schilling. Repercussão geral – muito mais que um pressuposto de admissibilidade. In: PAUSEN, Leandro (Coord.). Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos emh

Americana de 1787. No Brasil, a federação foi instaurada pelo Governo Pro-visório, por meio do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, que também instituiu a forma republicana de governo. É certo que na história constitucional brasileira tem havido um movi-mento pendular de centralização e de descentralização do poder, gerando