Casa De Oswaldo Cruz - FIOCRUZ Programa De Pós-Graduação Em História .

Transcription

Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZPrograma de Pós-Graduação em História das Ciências e da SaúdeTIAGO ALVES JAQUESIMPASSES E ESTRATÉGIAS:CONVENÇÃO-QUADRO E CONTROLE DOTABAGISMO NO BRASIL (1986-2005)Rio de Janeiro2010

2TIAGO ALVES JAQUESIMPASSES E ESTRATÉGIAS:CONVENÇÃO-QUADRO E CONTROLE DOTABAGISMO NO BRASIL (1986-2005)Dissertação de mestrado apresentada aoCurso de Pós-Graduação em Históriadas Ciências e da Saúde da Casa deOswaldo Cruz-Fiocruz, como requisitoparcial para obtenção do Grau deMestre. Área de Concentração: Históriadas Ciências.Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio TeixeiraRio de Janeiro2010

3J36iJaques, Tiago Alves.Impasses e estratégias : convenção-quadro e controle dotabagismo no Brasil (1986-2005) / Tiago Alves Jaques. – Rio deJaneiro: s.n., 2010.130 f.Orientador: Luiz Antonio Teixeira.Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde)– Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2010.1.Tabagismo. 2. Políticas públicas. 3.Saúde pública.4.História da medicina. 5.Tabaco. 6. Brasil.CDD 362.296

4TIAGO ALVES JAQUESIMPASSES E ESTRATÉGIAS:CONVENÇÃO-QUADRO E CONTROLE DOTABAGISMO NO BRASIL (1986-2005)Dissertação de mestrado apresentada aoCurso de Pós-Graduação em Históriadas Ciências e da Saúde da Casa deOswaldoCruz-FIOCRUZ,comorequisito parcial para obtenção do Graude Mestre. Área de Concentração:História das Ciências.Aprovado em julho de 2010 .BANCA EXAMINADORAProf.Dr. Luiz Antonio Teixeira (Fiocruz) – OrientadorProf.Dr. Dilene Raimundo do Nascimento (Fiocruz)Prof.Dr. Anny Jackeline Torres Silveira (UFMG)Suplente:Prof.Dr. Carlos Henrique Assunção Paiva (Fiocruz)Prof.Dr. Tânia Maria Dias Fernandes (Fiocruz)Rio de JaneiroAno 2010

5Ao meu pai

6AGRADECIMENTOSA todos que de alguma forma contribuíram para esse trabalho e para minha formação.Ao Luiz Teixeira, meu orientador, pelo suporte e confiança.Ao Programa, os professores e os colegas que fizeram do curso uma etapa tão preciosa eenriquecedora.A CAPES, que permitiu que eu me dedicasse exclusivamente a esse trabalho.A equipe do Inca, pelas valiosas indicações de leituras.Aos amigos e professores Francisco, Virgínia, Edval e Marco Antônio, pelo incentivo eexemplo.Aos amigos Allister, Pedro e Huener pela companhia e pelas trocas durante a elaboraçãodesse trabalho. Também ao Jonas, Philippe, Daniel, Marcius, Josy, Flora, Eder eFernando, que mesmo estando longe, me ouviram quando necessário. Ao Wladi, Ash, eAlê, por compreenderem minhas escolhas. E a Dani, pelo carinho e apoio.A minha família, que sempre me acreditou, em especial ao meu pai, Sávio, que tornoupossível essa trajetória, a minha irmã, Mariana, pela companhia, e a minha mãe, Ângela,pela luz.

7RESUMOEm 1999 a Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou a elaboração do quese tornou o primeiro tratado internacional de Saúde Pública, a Convenção-Quadro deControle do Tabaco (CQCT), documento que propõe uma série de medidas de combateao tabagismo. As negociações do tratado, finalizadas em 2003, contaram com aliderança e efetiva participação do Brasil. Contudo, no país, a aprovação da Convençãofoi marcada por controvérsias, e após dois anos de ampla discussão no Congresso otratado foi ratificado através do Decreto Legislativo nº 1.012. O Brasil foi o 100º país aratificar a CQCT.As discussões que envolveram a aprovação desse tratado no país ficarampolarizadas entre um discurso pró tratado, apoiado principalmente por instituiçõesligadas à saúde, lideradas pelo Inca, Instituto Nacional do Câncer, e entre agentescontrários à sua aprovação, principalmente instituições representantes dos interesses dosfumicultores, em especial a Afubra, Associação dos Fumicultores do Brasil. Além deinstituições, a mobilização da comunidade civil teve influência direta no processodecisório.O presente trabalho apresenta o sucesso das negociações em nível internacionale as dificuldades na aprovação desse tratado num país que é, ao mesmo tempo,referência mundial em programas de controle do tabagismo e o maior exportador detabaco do mundo. Para isso acompanhamos a atuação dos personagens e instituiçõesenvolvidas, através das atas das audiências públicas que discutiram o projeto e darepercussão que essas discussões provocaram na mídia.Esse trabalho contempla também a formação de um aparato legislativo decontrole do tabagismo que foi se formando a nível federal a partir de meados da décadade 1980.Palavras-chave: Convenção-Quadro para o Controle do Tabagismo, políticaspúblicas, tabagismo, tabaco, História da Saúde.

8ABSTRACTIn 1999, the World Health Organization (WHO) initiated the development ofwhat became the first global public health treaty, the Framework Convention onTobacco Control (FCTC), a document that proposes a series of measures to controlsmoking. Negotiations on the treaty, finalized in 2003, relied on the leadership andeffective participation of Brazil.However, in the country, the approval of theConvention was marked bycontroversy, and after two years of extensive discussion in Congress the treaty wasratified by Legislative Decree No. 1012. Brazil was the 100th country to ratify theFCTC.The discussions surrounding the adoption of this treaty in the country becamepolarized between a pro-treaty speech, supported mainly by health institutions, led bythe Inca, the National Cancer Institute, and agents against its approval, especiallyinstitutions representing the interests of tobacco growers, especially Afubra, TobaccoGrowers Association of Brazil. Beyond institutions, the mobilization of the civilcommunity had a direct influence in decision making.This paper presents the successful negotiations on an international level and thedifficulties in the adoption of this treaty in a country that is, at the same time, a globalreference in tobacco control programs and the largest exporter of tobacco in theworld. For this we followed the actions of the characters and institutions involved,through the minutes of public hearings to discuss the project and the impact that thesediscussions caused in the media.This work also includes the formation of a legal apparatus to control smokingthat has been formed at a federal level since the mid-1980s.Keywords: Framework Convention on Tobacco Control, public policy,smoking, tobacco, History of Health

9SIGLASABIFUMO: Associação Brasileira da Indústria do FumoACTBR: Aliança de Controle do TabagismoAfubra: Associação dos Fumicultores do BrasilANVISA: Agência Nacional de Vigilância SanitáriaBAT: British American TobaccoCAS: Comissão de Assuntos Sociais do Senado FederalCONICQ: Comissão Nacional para Implementação da Convenção-QuadroCQCT: Convenção Quadro para o Controle do TabacoCRA: Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado FederalCRE: Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado FederalCTNs: Companhias TransnacionaisCUT: Central Única dos TrabalhadoresDeser: Departamento de Estudos Socio-ruraisFAEP: Federação da Agricultura do Estado do Paraná.FAESC: Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de Santa CatarinaFAMURS: Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do SulFARSUL: Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do SulFENTIFUMO: Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo e AfinsFETAEP: Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do ParanáFETAESC: Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa CatarinaFETAG: Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande no SulFetraf-Sul: Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região SulInca: Instituto Nacional de CâncerIPI: Imposto sobre Produtos IndustrializadosITGA: International Tobacco Growers’Association (Associação Internacional dosProdutores de TabacoMDA: Ministério do Desenvolvimento AgrárioMPA: Movimento dos Pequenos AgricultoresMRE: Ministério das Relações ExterioresMS: Ministério da SaúdeMTE: Ministério do Trabalho e EmpregoOMS: Organização Mundial de SaúdeONGs: Organizações não-governamentaisONI: Órgão de Negociação IntergovernamentalOpas: Organização Pan-Americana de SaúdePNCT: Programa Nacional de Controle do TabagismoSINDIFUMO: Sindicato das Indústrias do FumoSTR: Sindicato dos Trabalhadores RuraisWHA: World Health Assembly

10SUMÁRIOIntrodução . 11Capítulo 1 – Breve Histórico do Tabagismo . 19O controverso tabaco ganha o mundo . 19O cigarro: um crescimento desenfreado . 21Desenvolvimento de pesquisas acerca do cigarro. 23O início do movimento antitabagista no Brasil . 26O fortalecimento do movimento antitabagista no Brasil . 30Capítulo 2 – Controle do Tabagismo no Brasil a partir da Década de 1980 . 34O início da Campanha em âmbito Federal. 34Contexto Político e Promoção da Saúde. 39O Controle do Tabagismo ganha forma. 42Fecha-se o cerco . 45Capítulo 3 – A Convenção-Quadro no Brasil. 53Alguns aspectos econômicos do fumo. 53Pontos do texto da CQCT . 56Tributação e Contrabando. 58A liderança do país nas negociações. . 61Os interessados . 64Um impasse, uma estratégia . 66Inicia-se o processo de aprovação da CQCT no Congresso Nacional. 68O processo se complica: as primeiras Audiências Públicas . 69Sob os cuidados da CRA . 76Os últimos grãos da ampulheta. 79Programa de Conversão . 81Considerações Finais . 84REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . 86FONTES . 90ANEXOS . 101

11INTRODUÇÃOHouve um tempo em que acender um cigarro era sinônimo de charme eelegância. Em meados do século passado astros e estrelas de Hollyood contribuírampara a construção de uma imagem glamourizada do hábito de fumar. Atualmente,porém, esse glamour está sendo substituído por imagens que demonstram os efeitosreais provocados pelo tabagismo, estampadas nas embalagens de cigarros. Essa medida,que é uma das propostas no texto da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, jávigora no Brasil e no Canadá.A Austrália aprovou em abril desse ano regulação semelhante, mas ainda maisdura com as Companhias de Cigarros. Além das imagens e advertências sobre osmalefícios do tabagismo, as embalagens não poderão mais conter as atraenteslogomarcas coloridas. Os maços deverão ter a mesma cor, padrão e estilo, e asindústrias terão dois anos para se adequarem as novas regras. Junto a essa medida, ogoverno australiano também aumentou em 25% o imposto sobre cigarros, medidacomprovadamente eficaz na redução do consumo desses produtos.O controle do tabagismo se configura atualmente como uma preocupaçãomundial, aparada na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), tratadointernacional mantido pela OMS, que entrou em vigor em fevereiro de 2005.O Brasil, mesmo sendo o segundo maior produtor de tabaco e o maiorexportador de fumo em folhas do mundo, é reconhecidamente um dos líderes mundiaisem medidas de controle do tabagismo, tendo sido o país a presidir em Genebra asnegociações da Convenção-Quadro, que aconteceram entre 1999 e 2003. Essereconhecimento vem do crescente aparato legislativo de combate ao tabagismoconstruído no país a partir de meados da década de 1980, quando foi instituído o dianacional de combate ao fumo, e oficializado o Programa Nacional de Controle doTabagismo.Coordenado pelo Inca desde 1989, esse programa opera de formadescentralizada, seguindo a mesma lógica e estrutura da rede de saúde pública nacional,o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo sido premiado pela OMS. O Inca foi uma dasinstituições que participou vivamente das discussões que envolveram o processo deaprovação interna da Convenção-Quadro no país. Apesar da liderança assumida pelopaís em âmbito internacional, internamente, a aprovação do tratado precisou passar poruma ampla e acalorada discussão no Congresso Nacional, que contou com expressiva

12participação da comunidade civil e de órgãos e representações, que defenderaminteresses divergentes, em linhas gerais, contrários e a favor da ratificação do tratado.É sobre esse difícil processo de aprovação que o presente trabalho se debruça.Acompanhamos a dinâmica entre instituições, atores e idéias no processo de ratificaçãoda Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Observamos como médicos eespecialistas na área de Saúde Pública atuaram no processo de regulamentação do usode fumo no Brasil, enfrentando uma série de barreiras políticas e econômicas queenvolvem o tema, especialmente no processo de aprovação da Convenção-Quadro parao Controle do Tabaco.Identificamos como representantes do governo, instituições e grupos sociaisparticiparam e influenciaram nas tomadas de decisões que tornaram o Brasil referênciamundial em controle do tabagismo, apesar de ser um grande produtor de fumo.Observamos, portanto, quais aspectos colocaram a Convenção-Quadro na agenda depolíticas públicas do Estado.Este processo é emblemático, pois nos permite perceber como e com quaisargumentos profissionais da Saúde lidaram com as dificuldades políticas e sócioeconômicas relacionadas ao controle do tabagismo, com o objetivo de sobrepô-las.O tabagismo é tema alvo de muitas discussões na área da saúde. A amplitude desuas implicações tem promovido recentemente uma difusão maior do tema. Embatesenvolvendo discursos pró e antitabagistas vem ganhando destaque na política e namídia. Contudo o tema é carente de discussões que extrapolam o campo da saúde.Apenas nos últimos anos, áreas como Sociologia, História, Economia e Administraçãotem dado seus primeiros passos pra compreendermos a história do tabaco e dotabagismo.Atento às demandas, o presente trabalho pretende contribuir com o tema aoiluminar parte do processo histórico recente em que o Estado passou a encarar otabagismo como problema de saúde pública, determinando os riscos do hábito de fumar,assumindo responsabilidades pela educação da população e na prevenção da doençaEm análise de políticas em saúde, o tema do antitabagismo ainda se faz poucopresente. Além disso, se conhece muito pouco sobre o funcionamento de órgãospúblicos como o Ministério da Saúde e de programas a ele vinculados, como a Divisãode Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco do Inca. Destacamos também aimportância de observarmos a influências de grupos profissionais de médicos e de

13ONGs no processo de formação de políticas públicas de controle do tabagismo, aindapouco estudado.Devo ainda destacar a relevância de abordar como tema a Convenção-Quadropara o Controle do Tabaco. O destaque do país na efetiva participação de um tratado detamanha importância, contrapondo a relativa dependência econômica do cultivo detabaco pelo Estado, revela que existem implicações que precisam ser consideradas, eque são destaque em nosso estudo.O tabaco em sua produção, seu comércio e seu uso mostram-se atualmente oobjeto de muitas abordagens investigativas nas mais diversas áreas, mas édestacadamente no setor da saúde que o consumo do tabaco e seus efeitos sãoamplamente discutidos. Estudos elaborados por médicos, fisioterapeutas e psicólogospululam nas revistas de medicina e de saúde de todo o mundo. Afinal, nas últimasdécadas, o tabagismo passou a ser considerado um problema de saúde pública.De forma concomitante, o tabaco constituiu-se em tema de inúmeros encontros,congressos e seminários, nacionais e internacionais, que reúnem entidades políticas,grupos pró e antitabagistas, e profissionais de diversas áreas, promovendo uma profusãocada vez maior de trabalhos e pesquisas acerca desta questão.A despeito da maioria desses estudos abordarem temáticas periféricas àquelaespecificamente delineada neste trabalho, é possível elencar análises afins, dentre asquais as que propõem diretrizes de combate ao tabagismo, como o de Tânia MariaCavalcante, que além de proporem diretrizes, apresentam os discursos do INCA,principal órgão do governo que combate o tabagismo. Tânia Maria Cavalcante (2005,2007) é Coordenadora do Programa Nacional de Controle do tabagismo, vinculado aoINCA. Dois artigos dela são referências importantes para o presente trabalho. Noprimeiro a autora apresenta-nos o Programa Nacional de Controle do Tabagismo, suasdiretrizes e estrutura. Acompanha a evolução de algumas das leis que regulamentam ouso de tabaco no Brasil, apontando sua importância e apresentando resultados. Em seuoutro artigo Cavalcante trata da Convenção-Quadro para o Controle do Tabacoapresentando um resumo da história do tratado, assim como elementos de sua estrutura.Mas o foco principal do artigo é retratar o controverso processo de ratificação daConvenção-Quadro no Congresso Nacional. Vale ressaltar que os artigos dessa autoranão estão livres de uma leitura crítica. Cavalcante é uma ativista contra o fumo, aspectoque levamos em conta.

14Temos ainda trabalhos de José Rosemberg, médico pioneiro no combate aotabagismo, que já em 1981 publicou Tabagismo: Sério Problema de Saúde Pública.Rosemberg foi condecorado com a Medalha Tabaco e Saúde, da Organização Mundialde Saúde (OMS). Rosemberg foi um importante personagem na luta antitabagista noBrasil. Seu livro, premiado pela Academia Nacional de Medicina, é referênciaobrigatória em pesquisas sobre o tema. Possuindo diversas de publicações sobre oassunto, o autor geralmente enfoca os efeitos nocivos que o tabagismo provoca emfumantes. Contudo discute também diversos assuntos relacionados, apresentando, entreoutros, aspectos históricos e sociais do tabagismo e seu controle, esfera que mais nosinteressa.Na historiografia brasileira, o tabaco geralmente aparece em discussões queenvolvem a macro economia. Poucas vezes o tabaco foi abordado como assunto central.Podemos, neste sentido, citar Jean-Baptiste Nardi (1996), que realizou um estudo sobrea produção do fumo no Brasil colonial, enfocando o cultivo, o comércio e aspectospolítico-administrativos. O autor ressalta em seu texto, portanto, a importânciaeconômica do tabaco para o Brasil colonial, utilizando uma vasta documentação oficial,visto que o tabaco possuía uma administração própria naquele período.Na área de história da saúde, Huener Gonçalves realizou um trabalho sobre ahistória do antitabagismo no Brasil, apresentando as discussões sobre o tema emperiódicos médicos do país entre 1950 e 1986, importante referência para o presentetrabalho. Ali Gonçalves apresenta os pioneiros na luta antitabagista no Brasil e suamobilização e conseqüente formação de um grupo preocupado com o tema.Merece destaque o trabalho de Allan M. Brandt, historiador médico em Harvardque publicou "The Cigarette Century: The Rise, Fall and Deadly Persistence of theProduct that Defined America". Brandt revela em seu texto aspectos sócio-culturais doconsumo de tabaco ao longo do século passado, e das relações entre tabagismo e asociedade moderna industrial em seus mais diferentes aspectos, como publicidade,cinema, moral, etc. Apresenta-nos também o desenvolvimento do antitabagismo nosEUA ao longo do século. Também contribuindo com aspectos culturais do tabagismo, oprofessor de literatura francesa Richard Klein, observou o aparecimento dos cigarros naliteratura a fim de ressaltar sua importância cultural em “Cigarros são Sublimes”.Voltando-se para outro campo, temos o texto de Paulo Grigorovski (2004), queanalisa as estratégias da Souza Cruz ao longo de seus mais de cem anos de existência noBrasil, em sua dissertação de mestrado em Administração na Universidade Federal do

15Rio de Janeiro. Bastante técnico, seu trabalho objetiva “entender de que maneira aempresa respondeu aos desafios surgidos ao longo dos anos, verificando se a mesmadesenvolveu propensão à autoperpetuação” (p. vii). A Souza Cruz é a maior empresa detabaco do Brasil, retendo 80% do mercado legal de cigarros no país. O autor não oferecedestaque ao tema do tabagismo ou da saúde pública, mas sim a aspectos organizacionaisda empresa, contudo, em conjunto com outras análises, a pesquisa de Grigorovski tornase uma ferramenta interessante em nossa pesquisa.Outra importante referência para este projeto é a tese de Sérgio Luiz Boeira(2002), que explicita as estratégias da indústria de tabaco, na década de 1990, através deperspectivas histórica, sociológica, médica, epidemiológica e ambiental. Ademais, esteestudo elabora conceitos operacionais que discutem determinadas dinâmicas dos grupospró e antitabagistas.O tabagismo também foi tema para os jornalistas Madeleine Lacsko e MarioCesar Carvalho. Lacsko, na obra “Sem Filtro”, destaca o papel de importantespersonagens na recente luta nacional contra o tabagismo. Esse livro parte de umaparceria com a Doutora Jaqueline Issa, Diretora do Ambulatório de Tratamento doTabagismo do InCor, que elaborou o projeto dessa publicação. O texto de Carvalho setrata de um breve, mas muito bem realizado, histórico do cigarro e de um conjunto deimplicações envolvendo o tabagismo e sua indústria.Para compreendermos os aspectos econômicos que envolvem o tabagismo eprodução e comércio de fumo no Brasil, recorremos ao trabalho do economista RobertoIglesias em “A Economia do Controle do Tabaco nos países do MERCOSUL eassociados”. Iglesias realizou essa pesquisa preocupando-se em oferecer fundamentospara determinadas medidas de controle do tabagismo, como controle de contrabando epolítica de aumento de preços.Duas recentes dissertações de mestrado também se preocuparam com o processodecisório envolvendo a aprovação da Convenção-Quadro no Brasil. A autora JulianaScheibler, mestre em Desenvolvimento Rural, observou o conjunto de instituiçõesenvolvidas nesse processo, seja de nível local ou internacional. Sua análise, defendidaem 2006, se aprofunda, entre outros aspectos, na dinâmica de instituições ligadas acadeia produtiva de fumo, e seu papel nas discussões que envolveram a ratificação daCQCT. Scheibler realça também a importância de instituições internacionais como aOMS nesse processo. A autora Marcela Sogocio tem um enfoque mais político. Suadissertação, defendida para obtenção de Mestrado em Diplomacia em 2008, se apóia

16principalmente em discursos de personagens que participaram do processo deratificação do tratado, obtidos de entrevistas realizadas pela própria autora, e observa osembates ocorridos entre discursos pró e contra sua aprovação. Esses dois trabalhosainda não haviam sido publicados quando iniciei a realização deste. É interessanteobservar a quase simultaneidade do interesse pelo processo de aprovação daConvenção-Quadro visto em três áreas de conhecimento distintas.Esta Convenção, primeiro tratado internacional de Saúde Pública, também foitema de diversas publicações do Ministério da Saúde, que terão papel central nessapesquisa. “Tabaco e Pobreza, um círculo vicioso - a Convenção-Quadro de Controle doTabaco: uma resposta” de 2004 é um excelente exemplo destas publicações. A obra,editada por ocasião do Seminário sobre a Convenção-Quadro, realizado em 27 deagosto de 2003 na Câmara dos Deputados, quando o texto do tratado foi formalmenteentregue pelo Poder Executivo ao poder Legislativo, com vista à sua ratificação, contacom pronunciamentos, palestras e artigos de autoridades e cientistas que efetivamenteparticiparam do processo de elaboração, negociação e aprovação da CQCT. Apublicação conta com os pronunciamentos do então Ministro da Saúde Humberto Costa,do Embaixador Gilberto Vergne Sabóia, Subsecretário-Geral de Assuntos Políticos doMinistério das Relações Exteriores, e do Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa,Presidente do Órgão Negociador Intergovernamental da CQCT, além de artigos de VeraLuiza da Costa e Silva, Diretora do Departamento da Tobacco Free Iniciative daOrganização Mundial da Saúde, por cinco anos, e Coordenadora do Programa Nacionalde Controle do Tabagismo, de Heather Selin, Assessora para Controle do Tabagismo daOrganização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e de Ayda Yurekli, economista quetrabalha no Banco Mundial, entre outros autores. Todos os textos perpassam o tema docontrole de tabaco e da Convenção-Quadro, e são lidos criticamente em nosso trabalho,pois estamos tratando de textos realizados por pessoas empenhadas em promoverpolíticas de controle do tabagismo.O projeto possui um recorte temporal recente, sendo que a maioria das fontessão registros oficiais. Toda a legislação utilizada em nossa pesquisa encontra-sedigitalizada e acessível através da internet.As Leis, Decretos e Medidas Provisórias foram acessadas através do portal daCâmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/legislacao). Além do texto da lei, osite disponibiliza uma série de documentos referentes ao andamento do projeto, comoementas e texto inicial, além de informações sobre o autor. Os textos das Portarias

17Ministeriais podem ser acessados nos sítios dos Ministérios. Entre a legislaçãoencontramos também Resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),disponíveis no sítio da Agência (http://www.anvisa.gov.br/e-legis/).O portal do Senado Federal também possui uma ferramenta de busca semelhanteao do sítio da Câmara dos Deputados, o SICON (Sistema de Informação do CongressoNacional), que além de disponibilizar os textos referentes à legislação federal, possuium banco de dados com discursos dos senadores publicados no Diário do SenadoFederal. Durante o processo de aprovação da CQCT no país foram realizadas seisAssembléias públicas nas quais os pontos do tratado foram debatidos. O sítio do Senadodisponibiliza todas as atas dessas reuniões. Esses documentos são os que maisexplicitam os embates em torno do processo de ratificação da Convenção, tendo sidocentrais para o desenvolvimento do presente trabalho.Contamos ainda com o portal do Inca e da ONG ACTBR, que possuipublicações relacionadas ao processo de aprovação da Convenção-Quadro no Brasil.Informações sobre as instituições que participaram das discussões foram consultadas emsuas respectivas páginas na Internet, como a Afubra e a Fetraf-Sul.Para compormos a esfera de discussões provocadas durante o difícil processo deaprovação da Convenção-Quadro contamos também com notícias jornalísticas da Folhade São Paulo e do Estado de São Paulo, além da Agência de Notícias do Senado,também disponíveis em seus sítios.O presente trabalho está dividido em três partes. O primeiro capítulo parte deuma revisão bibliográfica para contar um breve histórico sobre a difusão do tabaco nomundo e sobre os primeiros estudos envolvendo seus malefícios. Acompanhamostambém, ainda nesse capítulo, as primeiras mobilizações de profissionais da saúdepreocupados com o tabagismo no Brasil, influenciados pela divulgação de pesquisasprincipalmente da Inglaterra e Estados Unidos. Após a divulgação do relatório Terry em1964, a OMS passou a fazer orientações sobre o tema do tabagismo durante a década de1970. Cientistas e políticos brasileiros atentos às pesquisas já discutiam naquela épocamedidas para conter o crescimento do número de fumantes no país, que assistiajustamente o auge da popularidade do hábito de fumar no Brasil.Nas décadas seguintes, a partir dos anos de 1980, desenvolveu-se no país umasérie de leis reguladoras da venda e do uso de fumo, processo apresentado no segundocapítulo de nosso trabalho. O início desse processo se insere no momento deredemocratização do país, e de importantes transformações no sistema nacional de

18saúde, com a criação do SUS, Sistema Único de Saúde, por ocasião da Constituição de1988. As primeiras campanhas nacionais de combate ao tabagismo surgiram a partir de1986, com a criação, pelo Governo Federal, do “Dia Nacional de Combate ao Fumo”.Da forma que percebemos, essas campanhas se relacionam a proposta da novaconstituição que procurou definir uma política de proteção social de caráter universal.O segundo capítulo ainda discute os importantes avanços em controle dotabagismo que ocorreram na legislação federal na década de 1990, momento em que asinstituições que promoveram tal regulação se consolidaram. Foi nesse período que oInca assumiu Programa Nacional de Controle do Tabagismo, responsável pelascampanhas nacionais e por outras ações associadas ao tema.Entre 1999 e 2003, o Brasil, país reconhecidamente destaque mundial em adoçãode medidas para o controle do tabagismo, presidiu toda a negociação do texto para aConvenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), aprovado unanimemente pelosEstados Membros da OMS. A CQCT se tornou o primeiro tratado internacional desaúde da história.O passo seguinte à aprovação do texto refere-se à ratificação do tratado pelospaíses. Ou seja, cada um dos p

Também ao Jonas, Philippe, Daniel, Marcius, Josy, Flora, Eder e Fernando, que mesmo estando longe, me ouviram quando necessário. Ao Wladi, Ash, e Alê, por compreenderem minhas escolhas. E a Dani, pelo carinho e apoio. A minha família, que sempre me acreditou, em especial ao meu pai, Sávio, que tornou possível essa trajetória, a minha .