Modelo Calgary De Avaliação Da Família: Experiência Em Um . - Ufpr

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MODELO CALGARY DE AVALIAÇÃO DA FAMÍLIA: EXPERIÊNCIA EM UM PROJETODE EXTENSÃOHellen Pollyanna Mantelo Cecilio¹, Katiucy Sturião dos Santos²,Sonia Silva Marcon3Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Universidade Estadual de Maringá. Maringá-PR-Brasil.Enfermeira. Universidade Estadual de Maringá. Maringá-PR-Brasil.4Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Universidade Estadual de Maringá. Maringá-PR-Brasil.12RESUMO: O objetivo do estudo foi avaliar a estrutura, a funcionalidade e o desenvolvimento da família,a partir do aparecimento da condição crônica. Estudo qualitativo, desenvolvido junto a duas famílias, queforam acompanhadas por um projeto de extensão. Utilizou-se o Modelo Calgary de Avaliação da Família, quepropõe a utilização de três categorias de análise: estrutural, desenvolvimental e funcional, além do genogramae ecomapa. Uma família é nuclear e a outra é composta por apenas um indivíduo. A aplicação do modelopermitiu identificar as diferenças entre o apoio familiar na doença crônica e o enfrentamento do indivíduosem a família. Com o envelhecimento surgem desafios a serem vivenciados e, para o idoso que vive só, taisenfrentamentos se agravam, pelo fato de estar privado de qualquer companhia.DESCRITORES: Família; Doença crônica; Enfermagem.CALGARY MODEL OF FAMILY ASSESSMENT:EXPERIENCE IN A COMMUNITY SERVICE PROJECTMODELO CALGARY DE EVALUACIÓN DE LAFAMILIA: EXPERIENCIA EN UN PROYECTO DEEXTENSIÓNABSTRACT: The study objective was to assess the familystructure, functioning and development based on theemergence of a chronic condition. Qualitative study,developed in two families that were monitored through acommunity service project. The Calgary Model of FamilyAssessment was applied, which proposes the use ofthree analysis categories: structural, developmental andfunctional, besides the genogram and ecomap. One familyis nuclear and the other consists of a single individual.Through the application of the model, the differences infamily support for the chronic condition and the copingof the individual without family could be identified.Aging poses challenges that need to be experiencedand, for elderly people living along, these confrontationsare aggravated by the fact that they are deprived of anycompany.DESCRIPTORS: Family; Chronic disease; Nursing.RESUMEN: El objetivo del estudio fue evaluar la estructura,la funcionalidad y el desarrollo de la familia, considerandoel aparecimiento de la condición crónica. Estudiocualitativo, desarrollado con dos familias que fueronacompañadas por un proyecto de extensión. Se utilizó elModelo Calgary de Evaluación de la Familia, que proponela utilización de tres categorías de análisis: estructural, dedesarrollo y funcional, además de genograma y ecomapa.Una familia es nuclear y la otra es compuesta por solo unindividuo. La aplicación del modelo posibilitó identificarlas diferencias entre el apoyo familiar en la enfermedadcrónica y el afrontamiento del individuo sin la familia. Conel envejecimiento vienen desafíos que serán experenciadosy, para el anciano que vive solo, tales afrontamientosse agravan, por el hecho de estar privado de cualquiercompañía.DESCRIPTORES: Familia; Enfermedad crónica; Enfermería.Autor Correspondente:Hellen Pollyanna Mantelo CecilioUniversidade Estadual de MaringáAv. Colombo, 5790 - 87020-900 - Maringá-PR-BrasilE-mail: pollymantelo@gmail.com536Recebido: 13/07/2013Finalizado: 28/07/2014Cogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44

INTRODUÇÃOA família é constituída por um grupo de pessoasque se relacionam entre si e são unidas por laços deconsanguinidade, interesse ou apenas afetivos e queconvivem em um contexto histórico, cultural, físicoe político(1), permitindo uma identidade própria.Permeada por crenças, valores e costumes queforam construídos e transmitidos por gerações, afamília forma a personalidade dos seus membrose guia os cuidados e as ações para a promoção erecuperação da saúde e a prevenção de agravos(2).Neste sentido, cabe à enfermagem o papel deintervir, com a finalidade de promover a autonomiade cuidados, considerando a individualidade, ascrenças e valores, visando capacitá-los para suaindependência(1).Uma das causas que constitui maior demandapara o cuidado familiar no processo saúdedoença são as doenças crônicas, que possuemfatores de risco em comum e demandam umaassistência e atenção continuada, estandomuitas vezes relacionadas ao envelhecimento(2).Por este motivo, a condição crônica, quandoafeta um membro da família, costuma tornar-semotivo de sobrecarga, uma vez que necessitadesde cuidados diários até as hospitalizaçõesrecorrentes e prolongadas, além de ser umagente estressor para o próprio doente e parao relacionamento social do sistema familiar.Sendo assim, percebe-se que as alteraçõesemocionais e sociais decorrentes desse processoem uma família, requerem cuidados constantese adaptações à nova situação.Considerando o impacto causado pela doença,optamos por utilizar o Modelo Calgary deAvaliação na Família (MCAF) que possibilita umavisão ampliada do sistema familiar, o que incluisuas relações internas e externas, fortalezas efragilidades(2-3). A utilização deste modelo permiteao enfermeiro conhecer a família em seu contexto eidentificar suas necessidades, bem como alternativasde cuidado específicas a sua condição. Diante disto,surgiu o questionamento: qual a influência dafamília nos cuidados e na adesão ao tratamento apartir do aparecimento de uma condição crônica?Para respondê-lo, definimos como objetivo doestudo avaliar, por meio do MCAF, a estrutura, afuncionalidade e o desenvolvimento da família, apartir do aparecimento da condição crônica.Cogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44MÉTODOEstudo qualitativo desenvolvido junto a duasfamílias assistidas há aproximadamente um ano, peloprojeto de extensão “Assistência e Apoio a Famíliade Doentes Crônicos no Domicílio”, vinculado aoNúcleo de Estudo, Pesquisa, Assistência e Apoioa Família do Departamento de Enfermagem daUniversidade Estadual de Maringá-PR-Brasil. Oprojeto de extensão assiste famílias de pessoascom doenças crônicas que estiveram internadas noHospital Universitário e aceitaram receber visitasdos acadêmicos. A seleção das famílias incluídasneste estudo foi baseada na conveniência e napercepção dos acadêmicos sobre o interesse dafamília em participar.Como referencial metodológico foi utilizado oMCAF e suas três categorias principais. A avaliaçãoestrutural diz respeito à composição da família,os vínculos afetivos entre seus membros emcomparação com os indivíduos de fora e o seucontexto, constituída por três aspectos: estruturainterna, estrutura externa e contexto(3). Para delineartais aspectos são utilizados o genograma e oecomapa; o primeiro é um diagrama representativodo grupo familiar, ou seja, é uma árvore familiarque representa a estrutura interna. O genogramatem como objetivo principal auxiliar na avaliação,planejamento e intervenção familiar e permiteainda, observar de forma clara quais membrosconstituem a família, além da identificação dasprincipais enfermidades, facilitando o planoterapêutico(1). O ecomapa é um complementodo genograma e consiste em uma representaçãográfica dos contatos dos membros da família coma comunidade, permitindo avaliar as redes e apoiossociais disponíveis e sua utilização pela família.Este é um instrumento dinâmico, pois mostra aausência ou presença de recursos sociais, culturaise econômicos de um determinado momento dociclo vital da família(1).A avaliação funcional diz respeito aos detalhessobre como os indivíduos se comportam unscom os outros, baseando-se no funcionamentoinstrumental referente às atividades da vida cotidianae no funcionamento expressivo, que se refere aospapéis familiares, a comunicação e a resolução deproblemas(3). Por fim, a avaliação desenvolvimentalenfatiza a trajetória exclusiva construída por umafamília e é modelada por eventos previsíveis eimprevisíveis, tais como doenças, catástrofes etendências sociais(3), que implicam em mudanças537

no funcionamento da família, na sua estrutura e nosseus processos de interação(1).A coleta de dados foi realizada entre agostoe novembro de 2012, por meio de seis visitasdomiciliares para as famílias, conforme o plano deacompanhamento previsto no projeto. A construçãodo genograma e do ecomapa foi feita com aparticipação ativa da família, com liberdade paradiscussões e considerações sobre os diagramas,além das orientações específicas para cada situaçãovivenciada. O desenvolvimento do estudo ocorreuem conformidade com os preceitos éticos e o projetofoi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética emPesquisa com Seres Humanos da UniversidadeEstadual de Maringá (Parecer 084/2006).RESULTADOSA família um era composta por Adão, Evae Abel, conforme Figura 1. Adão tinha 76 anos,analfabeto e aposentado por invalidez há 14 anos,sofria de hipertensão arterial sistêmica e relatou seisacidentes vasculares cerebrais, o primeiro foi há maisde 16 anos e deixou como sequela a hemiparesiaesquerda, impossibilitando a deambulação. Oscinco sequentes foram com menor intensidade e nãodeixaram sequelas visíveis. Adão relatou que bebiae fumava muito antes do primeiro acidente vascularcerebral, trabalhava como pedreiro, mas condiçãode saúde está em cadeira de rodas, assistindotelevisão ou dormindo. Ele depende de auxíliodos familiares para todas as atividades. Na épocaem que sofreu o referido acidente vascular, ele foiorientado a utilizar medicação e fazer fisioterapia,no entanto ele optou por não aderir ao tratamentoe ainda resiste a tomar medicamentos e realizar oscuidados necessários com a saúde. Adão mostrounão gosta de falar sobre sua saúde e ficou agressivocom a esposa quando ela comentou sobre o assunto.Eva, sua esposa, tinha 73 anos, aposentada,estudou menos de quatro anos e trabalhava nocampo. Eva também tinha hipertensão arterial,artrose em ambos os joelhos agravada pelo excessode peso, passou por um procedimento cirúrgicono início de 2012 para correção de cistocele eem agosto deste mesmo ano, passou por outroprocedimento cirúrgico para correção de umahérnia umbilical. No período de coleta de dados,ela ainda se recuperava da cirurgia e sua filha,Maria, estava acompanhando-a e ajudando acuidar de Adão. Em vários momentos Eva referiu538estar sobrecarregada e cansada, pois passava boaparte do dia dedicando-se ao marido, ao filho eàs atividades domésticas. Relatou que sofria coma desobediência de Adão e, também, quando ofilho estava sob efeito do álcool. Sua condição desaúde também necessitava de cuidados diários commedicamentos corretos, alimentação e muitas vezeso estresse prejudicava sua situação.Abel tinha 49 anos, solteiro, morava com os paise estava desempregado; tinha deficiência auditivae apresentava sinais de transtorno mental, mas afamília não sabia informar ao certo o diagnóstico,porém relataram que os sinais estavam presentesdesde o nascimento. Segundo informou a mãe, faziauso de bebida alcoólica com frequência, ficandoalterado e agressivo sob o efeito do álcool. Abel erao principal ajudante de Eva para os cuidados com acasa e com Adão, ele auxiliava o pai no banho, nautilização do sanitário e na locomoção, ao passo queEva ficava encarregada de cuidar da alimentação.Abel também ajudava Eva na limpeza da casa eno serviço pesado como lavar roupa e calçadas.Os demais filhos do casal eram casados eraramente visitavam os pais, deixando para Abela responsabilidade em acompanhar e cuidar dospais. Aparentemente, ele desempenhava bem opapel de cuidador, no entanto, tornava-se agressivoquando discordavam dele e quando bebia. A maiordificuldade da família era a renda, pois sobreviviamapenas da aposentadoria de Adão e Eva, quealém das despesas de casa, precisavam comprarmedicamentos não oferecidos pela Unidade Básicade Saúde. Referem também, que os vizinhos e umgrupo de uma igreja que frequentavam faziamdoações de alimentos e roupas esporadicamente.Eva tinha um bom vínculo com a equipe de saúdeda família, representada pela enfermeira e relatou sersempre bem atendida na unidade básica de saúde,entretanto, referiu que a médica da equipe não mantémmuito contato. Todavia, Adão por ficar restrito em casa,recebeu visita da enfermeira uma vez ao mês e daagente comunitário de saúde toda semana, ambas combom vínculo com a família, de acordo com a Figura 2.A família dois, representada na Figura 3, eracomposta apenas por Pedro, 70 anos, solteiro,aposentado, sem filhos e sem parentes de primeirograu próximos; estudou apenas três anos, poisprecisava trabalhar para contribuir com a rendafamiliar. Pedro tinha hipertensão arterial, diabetesmellitus, labirintite e reumatismo. Ficava em casa amaior parte do tempo e não costumava conversarcom os vizinhos. Por morar sozinho, ele mesmoCogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44

realizava as atividades domésticas, como lavar,passar e cozinhar. Em uma das visitas domiciliaresrealizadas e contato com a equipe da EstratégiaSaúde da Família certificou-se que comparecepouco a unidade básica de saúde e quando vaise lamenta muito pela demora no atendimento.Também, não permitia a visita da agente comunitáriode saúde em sua casa. No entanto, segundo ele, aFigura 1 - Genograma da Família 1. Maringá-PR-Brasil, 2012Figura 2 - Ecomapa da Família 1. Maringá-PR-Brasil, 2012Cogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44539

enfermeira e o médico nunca foram a sua casa eera difícil conseguir atendimento.Pedro ignorou todas as tentativas de conversarsobre sua família, tentando sempre mudar de assunto,assim como também não gostava de falar sobresua saúde. A forma encontrada para conhecer suahistória foi por meio do MCAF, pois ele se interessoupela construção do genograma e do ecomapa econtou um pouco sobre sua família. Pedro tinha seisirmãos vivos e todos residiam em outras cidades,sendo esse o motivo pelo qual os encontra apenasesporadicamente, porém mantinha contato por telefone.Joaquim, seu irmão caçula, era portador detranstorno mental e necessitava de cuidados e, poresse motivo o via mais vezes. No entanto, essarelação era um tanto conflituosa, pois Joaquim nãoaceitava sua situação e era resistente a qualquerajuda dos irmãos. O único familiar com quemPedro convivia frequentemente e mantinha relaçãoharmoniosa era seu sobrinho Timóteo (Figura 4).Em relação aos cuidados de saúde, Pedro nãofazia uso correto da medicação, não seguia a dietarecomendada para o diabetes e não se preocupavaem cuidar da higiene corporal e nem da limpeza eorganização da casa. Também, por viver sozinho, eleera responsável por sua alimentação e não realizavaas refeições corretamente, segundo ele, na maioriadas vezes, substituía o almoço e o jantar por frutas,como laranja e banana. Em grande parte das visitasrealizadas, ele se apresentava com visível falta dehigiene bucal e com roupas sujas, e, em algumas vezes,era possível sugerir a falta de banho por alguns dias.O quintal da sua casa servia como depósito deentulhos e de materiais de construção, acumulandoágua quando chovia. Durante as visitas domiciliaresPedro sempre recebeu as pesquisadoras no quintal eno máximo na varanda; a essa distância foi possívelobservar que o interior da casa aparenta poucalimpeza, a cozinha e a sala apresentam entulhose materiais que, possivelmente, ele recolhe na rua,porém negou essa atividade.Pedro sobrevivia de sua aposentadoria e sempreque possível realizava alguns serviços extras depedreiro e carpinteiro. Ele afirmou que os serviçosextras eram necessários, porque a aposentadorianão era suficiente para comprar alimentos e muitomenos para comprar alguns medicamentos nãodisponibilizados pela unidade básica de saúde.Relatou ainda, que algumas vezes, precisou pedirajuda ao sobrinho para pagar as despesas e quealgumas vezes para comprar alimentos. No entanto,na ocasião das visitas não foi possível perceber afalta de alimentos referida por ele, pois semprehavia, inclusive, frutas em grande quantidade.Figura 3 - Genograma da Família 2. Maringá-PR-Brasil, 2012540Cogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44

Figura 4 - Ecomapa da Família 2. Maringá-PR-Brasil, 2012DISCUSSÃOAs duas famílias eram de tipologias diferentes,a primeira era a típica família nuclear, representadapela mãe, pai e filho solteiro, e a segundacomposta apenas por um indivíduo. Juntamentecom o envelhecimento surgem desafios a seremvivenciados pelo indivíduo, e para o idoso quevive só esses enfrentamentos se agravam, pelofato de estar privado de qualquer companhia quepossa auxiliá-lo na realização de suas atividades.Tais desafios são relacionados ao autocuidado,as enfermidades que precisam enfrentar, ainsuficiência econômica, entre outras(4).Sendo assim, quando o indivíduo idosomora sozinho, principalmente quando existeausência de contato familiar, a tendência é queo mesmo vivencie maiores dificuldades pararecuperação do seu estado de saúde. De fato,idosos que residem com outras pessoas, sejamelas integrantes da família ou não, parecem estarmais amparados em relação à atenção dada aosseus problemas de saúde(4). A solidão interferena qualidade de vida da pessoa, pois a privaçãodo convívio e o isolamento social causamsofrimento, tornando-a triste e limitada(2,5). Essefato foi observado na segunda família, visto quePedro não desfrutava de companhia em seu diaa-dia.Cogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44Pedro não contava com o apoio da família deorigem pelo fato de residirem distantes, tampoucocom sua própria família, pois não a constituiu. Istodificulta o enfrentamento da condição crônica e arealização de atividades da vida diária, como porexemplo, o preparo de uma refeição adequada, aadministração correta dos medicamentos de usocontínuo, o acompanhamento das condições desaúde por meio de consultas regulares; aspectosestes que prejudicam o controle da doença, amanutenção da saúde, a qualidade de vida e aprevenção de agravos(2,5).O apoio da família ao doente crônico, portanto,é imprescindível, pois tornar-se doente inclui avivência de uma série de mudanças pessoaise familiares, salientando que dependendo dagravidade da doença é necessário que sejamfeitas alterações na forma de viver da família.Ao mesmo tempo, as mudanças, muitas vezes,são vistas como desnecessárias, o que ocorreespecialmente nos casos em que as doenças nãoapresentam sinais e sintomas evidentes(2).O agravamento do quadro, somado àsalterações biológicas, psicológicas e fisiológicaspróprias do envelhecimento geralmente levama limitações motoras, sensitivas e sensoriais,alterando a dinâmica da vida dos idosos erestringindo as atividades diárias (6) surgindo,assim, algum tipo de dependência, o que requer a541

reestruturação dos papéis de todos os membros dafamília(4), visto que o idoso perde sua autonomiapara outrem(6). Neste momento de dependência,o carinho e o respeito da família contribuemdecisivamente para um final de vida feliz (5).O cuidador, nestes casos, comumenteé escolhido pelo grau de afinidade com odoente, por não trabalhar fora, e muitas vezes,simplesmente por ser mulher(7). Este fato refleteo padrão cultural brasileiro, em que o papelde cuidador principal, ainda é visto como umafunção feminina. No entanto, como no caso dafamília 1, o filho também desempenhava papelde cuidador, auxiliando o pai nas atividadesbásicas e instrumentais da vida diária(8). É válidoressaltar que, quase sempre, os cuidadoressentem-se sobrecarregados com suas funções,principalmente se o cuidador residir com oidoso. Isto foi expresso na família 1, pois apesarde o cuidado ser dividido entre mãe e filho,ambos estavam expostos constantemente asdemandas de cuidado, além de terem querealizar outras atividades(7). Sendo assim, umaforma de minimizar as dificuldades encontradasna demanda do cuidado prestado ao indivíduodependente, é o acompanhamento, orientação esuporte oferecido pelos profissionais de saúde(7).É comum que os cuidadores apresentemexclusão social, isolamento afetivo, depressãoe distúrbios do sono(6), visto que é o indivíduoque absorve níveis diferentes de ansiedade noprocesso de cuidado(7). Vale ressaltar ainda, queé comum o cuidador do idoso ser outro idoso, jáfrágil pelo envelhecimento e em vias de adoecer(9),com desgaste físico, diminuição da força e daagilidade, além de outras doenças(10), como nafamília 1.Outro aspecto a ser lembrado é a transformaçãoda relação entre paciente e cuidador, antes dereciprocidade e que passa a ser de dependência,de modo que o cuidador tem restrições em suaprópria vida(10). Assim, faz-se necessário que aequipe de enfermagem desempenhe seu papelde apoiar psicologicamente e promover a saúdedo familiar cuidador, uma vez que o bem-estarfísico e mental deste interfere diretamente nocuidado a ser prestado(10-11).É importante ainda, conhecer a escolaridadedos cuidadores, pois são eles que recebem asinformações e orientações da equipe de saúde, ea educação para a saúde está ligada a capacidade542de aprendizagem das pessoas(9). Compreendese que o conhecimento do cuidador, quandolimitado devido a baixa escolaridade, interferenos cuidados ao idoso, com queda na qualidadeda atenção prestada(8), pois é ele que irá vivenciaro cotidiano da doença e suas implicações, assimcomo é ele quem vai buscar maneiras de lidarcom a essa realidade(12).Perante isto, a baixa condição socioeconômicadas famílias em estudo, por si só já constituium grande empecilho para o cuidado. Emuma família, dificulta o próprio paciente emmanter uma boa qualidade de vida e na outra,dificulta que o cuidador ofereça os cuidadosadequados, pois são necessários recursosfinanceiros que possibilitem a aquisição e acompra de alimentos, medicamentos, além detransporte e outras necessidades que surgemcom a dependência(7). Diante desse fato, é deresponsabilidade do enfermeiro e da sua equipeconhecer a realidade, bem como as necessidadesda família assistida, a fim de planejar intervençõesque sejam condizentes com a real necessidadedos indivíduos e adequadas à sua condiçãofinanceira(4).Todavia, existem outros fatores que interferemno cuidado e na assistência de qualidade,entre eles, a aceitação do doente de suasituação e, principalmente, do tratamento, sendomedicamentoso ou não. Em ambos os casos, ospacientes eram relutantes quanto à adesão aotratamento, o que pode ser explicado pela baixaescolaridade, dificuldade de entendimento e atémesmo pela falta de confiança e vínculo comfamiliares e profissionais de saúde.A adesão ao tratamento é um processoconjunto entre paciente e profissional, deforma que aquele não apenas obedece, masentende, concorda e segue as orientações,sinalizando uma aliança terapêutica entreequipe, paciente e família, na qual cada umtem suas responsabilidades no processo (13).Neste sentido, vê-se a importância de reuniresforços para aperfeiçoar recursos e estratégias,com a participação de todos os envolvidos noprocesso, visto que a adesão à terapêutica sejaela medicamentosa ou não, é importante quandose trata de um indivíduo idoso(14).É comum a não-adesão ao tratamento serpercebida como uma frustração pelos profissionaisde saúde(14) e, mesmo se o paciente não aderirCogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44

ao tratamento, ele necessita de cuidado, afeto ede orientação para o alcance dos seus objetivos.Frente a não-adesão é necessário orientar e explicaras consequências, tanto ao paciente quanto paraa família, que devem entender a importância deacatar o regime terapêutico(13). A enfermagem éimprescindível para atuar neste contexto, visandonão só apenas influenciar o comportamentodo paciente para mudanças, mas também paramanutenção delas, sugerindo transformações levese gradativas, as quais podem ser mais facilmenteadotadas pelo paciente e família(14). Além disso,existe a necessidade de treinar e supervisionara execução das atividades do cuidador, demodo que ele preste um cuidado de qualidade,sem, contudo, prejudicar sua própria saúde(2).Ressalva-se que os significados das doençascrônicas não são exclusivos do indivíduo doente,mas propriedade de todos os membros da famíliae da sua rede social, pois são compartilhadosentre si e influenciam direta ou indiretamenteno curso da doença, auxiliando na redução ouaumento das dificuldades, ou nos impedimentosou facilidades do tratamento(15). Por este e outrosfatores, compreende-se que a abordagemindividual, em detrimento da abordagemfamiliar, pode conduzir uma avaliação e,consequentemente, uma intervenção limitadas,mostrando o despreparo dos serviços de saúdee dos profissionais envolvidos com a atenção aoidoso, configurando como um obstáculo quecompromete a competência e a qualidade daassistência prestada ao idoso(16).Finalmente, salienta-se que todo ser humanonecessita conviver com outras pessoas, para umbem-estar biopsicossocial, sendo que as relaçõessociais estimulam a mente e o pensamento, tendoefeitos benéficos sobre a saúde, contribuindopara a melhoria da qualidade de vida de toda afamília(5). A enfermagem, enquanto ciência quecuida, deve sempre inserir a família no cuidado,com vistas a diminuir as sobrecargas individuais,evitando transformar o cuidador em alguém quefuturamente possa necessitar de cuidados(9).CONSIDERAÇÕES FINAISDiante dos desafios do envelhecimentojuntamente com os agravos das doenças crônicas,os pacientes necessitam de auxílio para asdiferentes atividades diárias, sendo possívelCogitare Enferm. 2014 Jul/Set; 19(3):536-44verificar as disparidades e semelhanças entreas famílias. Ter um cuidador na família é umfator de menos estresse para o doente, pois ocuidado é humanizado e respeita seus costumese crenças, no entanto é um fator de mais estressepara quem cuida que precisa abrir mão das suasnecessidades em detrimento do doente. Noentanto, além do apoio e acompanhamento dafamília, faz-se necessário que o doente crônicoentenda sua condição e participe ativamentedas decisões tomadas, aderindo ao tratamento eminimizando as chances de complicações.REFERÊNCIAS1. Figueiredo MHJS, Martins MMFS. Avaliação familiar:do Modelo Calgary de Avaliação da Família aosfocos da prática de enfermagem. Cienc. cuid. Saúde.2010;9(3):552-9.2. Santos AL, Cecilio HPM, Teston EF, Marcon SS.Conhecendo a funcionalidade familiar sob a ótica do doentecrônico. Texto Contexto Enferm. 2012;21(4):879-86.3. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guiapara avaliação e intervenção na família. 3ª ed. SãoPaulo: ROCA; 2002.4. Ramos JLC, Menezes MR, Meira EC. Idosos que moramsozinhos: desafios e potencialidades do cotidiano. Rev.baiana enferm. [Internet] 2010;24(1/3):43-54 [acessoem 10 abr 2013]. Disponível: /article/view/5527/39795. Lopes RF, Lopes MTF, Camara VD. Entendendo asolidão do idoso. RBCEH. [Internet] 2009;6(3):373-81[acesso em 10 abr 2013]. Disponível: w/362/8186. Costa JBE, Guimarães RM, Ananias SP. Análise doimpacto de um programa de orientação/ educaçãona sobrecarga e qualidade de vida de cuidadores deidosos. Rev. Tecer. [Internet] 2008;1(0):37-47 [acessoem 10 abr 2013]. Disponível: article/view/268/2287.Uesugui HM, Fagundes DS, Pinho DLM. Perfile grau de dependência de idosos e sobrecargade seus cuidadores. Acta Paul. Enferm. [Internet]2011;24(5):689-94 [acesso em 15 mai 2013]. 110005000158. Santos AA, Pavarini SCI. Funcionalidade familiarde idosos com alterações cognitivas: a percepçãodo cuidador. Rev Esc Enferm USP. [Internet]2012;46(5):1141-7 [acesso em 15 mai 2013].Disponível: ht tp://dx.doi.org /10.1590/S0080 62342012000500015543

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foram acompanhadas por um projeto de extensão. Utilizou-se o Modelo Calgary de Avaliação da Família, que propõe a utilização de três categorias de análise: estrutural, desenvolvimental e funcional, além do genograma e ecomapa. Uma família é nuclear e a outra é composta por apenas um indivíduo. A aplicação do modelo