Modelo Calgary Na Avaliaçãoestrutural, Desenvolvimental E Funcionalda .

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MODELO CALGARY NA AVALIAÇÃOESTRUTURAL, DESENVOLVIMENTAL EFUNCIONALDA FAMÍLIA DE MULHERES MASTECTOMIZADAS APÓS CÂNCER DEMAMAPatrícia Peres de Oliveira1, Lorena Nogueira Maia2, Mariella de Souza Resende2, Rúbia Sousa Macedo2, Andrea BezerraRodrigues3, Maria Ísis Freire de Aguiar3Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal de São João del-Rei. Divinópolis, MG, Brasil.Discente de Enfermagem. Universidade Federal de São João del-Rei. Divinópolis, MG, Brasil.3Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil.12RESUMO: Objetivou-se avaliar a estrutura, o desenvolvimento e a funcionalidade da família de mulheres comcâncer de mama submetidas à mastectomia. Trata-se de um estudo qualitativo em que foi utilizado comoreferencial teórico o Modelo Calgary de avaliação familiar e como estratégia metodológica o estudo de caso. Osdados foram coletados junto a duas famílias, no período de maio a setembro de 2014, por meio de instrumentopré-elaborado. Verificou-se que uma família era nuclear, formada pelo casal e suas três filhas, a outra famíliaera estendida, constituída por duas irmãs, ambas mastectomizadas e seus respectivos filhos. A aplicação domodelo de avaliação familiar permitiu conhecer aspectos relacionados à estrutura, ao funcionamento e aodesenvolvimento das duas famílias, que interferem, dificultam ou favorecem o desenvolvimento do cuidadono cotidiano. Conclui-se que este estudo possibilitou a realização da abordagem familiar que pode interferir,dificultar ou favorecer o desenvolvimento do cuidado no dia-a-dia.DESCRITORES: Família; Neoplasias; Enfermagem; Saúde da mulher.USE OF THE CALGARY FAMILY ASSESSMENT MODEL INSTRUCTURAL, DEVELOPMENTAL AND FUNCTIONALASSESSMENT OF THE FAMILY OF MASTECTOMIZEDWOMEN WITH BREAST CANCERABSTRACT: The present study aimed to assess the structure,development and functionality of the family of women withbreast cancer who underwent mastectomy. It is a qualitativestudy based on the Calgary Family Assessment Model and casestudy methodology was used. The data were collected fromtwo families in May—September 2014, through a previouslydesigned instrument. One of the families was a nuclearfamily formed by the biological parents and their threedaughters, and the other family was extended, consistingof two sisters, both mastectomized, and their respectivechildren. The use of the family assessment model providedknowledge on aspects related to the structure, functioningand development of the two families that interfere, impair orfavor the adequate provision of daily care.In conclusion, thisstudy made it possible to use a family assessment model thatcan interfere, impair or favor the adequate provision of dailycare to the patients.DESCRIPTORS: Family; Neoplasias; Nursing; Women’s health.MODELO CALGARY EN LA EVALUACIÓN ESTRUCTURAL,DE DESARROLLO Y FUNCIONAL DE LA FAMILIA DEMUJERES MASTECTOMIZADAS POS CÁNCER DE MAMARESUMEN: El objetivo fue evaluar la estructura, el desarrolloy la funcionalidad de la familia de mujeres con cáncerde mama sometidas a la mastectomía. Es un estudiocualitativo en que fue utilizado como referencial teórico elModelo Calgary de evaluación familiar y como estrategiametodológica el estudio de caso. Los datos fueron obtenidoscon dos familias, en el periodo de mayo a septiembrede 2014, por medio de instrumento preelaborado. Se haverificado que una familia era nuclear, formada por la parejay sus tres hijas, la otra familia era ampliada, constituida pordos hermanas, ambas mastectomizadas y sus respectivoshijos. La aplicación del modelo de evaluación familiarpermitió conocer aspectos relacionados a la estructura, alfuncionamiento y al desarrollo de las dos familias, los cualesinterfieren, dificultan o favorecen el desarrollo del cuidadoen el cotidiano. Se concluye que este estudio posibilitóla realización del abordaje familiar que puede interferir,dificultar o favorecer el desarrollo del cuidado en el día a día.DESCRIPTORES: Familia; Neoplasias; Enfermería; Salud de laMujer.Autor Correspondente:Patrícia Peres de OliveiraUniversidade Federal de São João del-ReiR. Sebastião Gonçalves Coelho, 400 - 35501-296- Divinópolis, MG, BrasilE-mail: pperesoliveira@ufsj.edu.br662Recebido: 25/02/2015Finalizado: 16/10/2015Cogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671

INTRODUÇÃOA estrutura familiar se firma mais sobreas relações emocionais e sociais, a quemos indivíduos recorrem em momentos denecessidade e, principalmente, compartilham osmomentos de alegria, do que sobre as relaçõesde parentesco. Enfim, o que firma um grupode pessoas como família é a relação de apoio:emocional, educacional, financeiro ou socialentre seus membros(1-2).A família, geralmente, não está preparadapara enfrentar o adoecimento e para suportaro sofrimento de seu familiar, contribuindopara que este processo se torne mais sofridopara as mulheres que adoecem(2). No caso dediagnóstico de câncer de mama, o efeito é aindamais devastador na vida da pessoa que o recebee de seus familiares, pelo temor às mutilações,os possíveis efeitos colaterais advindos dostratamentos, o medo da morte, e o impactomaterial, social e emocional que quase sempreocorrem(3).É indiscutível o papel social que a família exercena vida destas mulheres, oferecendo apoio,ajudando-as a suportar o diagnóstico da doençae a superar seus transtornos, garantindo destaforma uma vida mais ajustada, menos estressantee com perspectivas de cura(4-5).Sendo o câncer de mama uma doença crônica,o tratamento será ao longo da vida e, para queseja bem sucedido, os familiares, desde a ocasiãoda descoberta, precisarão conhecer as possíveisalterações advindas dos tratamentos, os sinaisdas complicações, bem como atuar de formaassertiva nas possíveis intercorrências(5). Dessamaneira, a comoção que a doença oncológicacausa na família e as formas de enfrentamentosão particulares de cada família, pois possuemcrenças, valores, histórias e rotinas diferentes(4-5).Os profissionais de saúde, com base nasinformações obtidas, precisam usar seusconhecimentos sobre cada família a fim deassegurar atendimento holístico, de forma arelacionar fatores biológicos, sociais e espirituais,elaborando a partir disso a melhor assistência(1,3).Diante deste contexto, optou-se por utilizar oModelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF),que permite um espectro expandido da família,incluindo suas relações internas e externas,fragilidades e fortalezas.O MCAF é uma estrutura multidimensionalformada por três categorias fundamentais:Cogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671estrutural, desenvolvimental, funcional e suasmúltiplas subcategorias(6) que permitem juntarelementos para dar subsídio e direcionar ocuidado com a família(1,6). O seu uso promoveo entendimento da dinâmica e funcionamentofamiliar de forma interacional, e isto, por sua vez,proporciona a avaliação de seus elementos e aobservação de mudanças em sua dinâmica(2,6-7).A abordagem dos sistemas familiares tem sidousada para assessorar na compreensão da famíliacomo unidade de cuidado e não apenas como asomatória da individualidade de cada elementoda família, em diferentes contextos(2-3).No Brasil, o MCAF tem sido pouco utilizadoem famílias de adultos com neoplasia, sendomais empregado em pesquisas com crianças,adolescentes, idosos e na área de saúde mental.A utilização deste modelo permite ao enfermeiroconhecer a família em seu contexto e identificarsuas necessidades, bem como alternativas decuidado específicas a sua condição.A motivação desta pesquisa decorre porse tratar de tema da maior importância, umadoença que requer cuidado embasado em muitoconhecimento e delicadeza devido ao caráterdo “irreversível”, assim surgiu o interesse deconhecer a dinâmica cotidiana de famílias demulheres com câncer de mama que sofrerammastectomia.Apoiadas nessas considerações, surgiram osseguintes questionamentos: como é a estruturae o funcionamento da família de mulheres comcâncer de mama submetidas à mastectomia?Qual o vínculo afetivo entre os membros dessasfamílias? Para respondê-las, determinamoscomo objetivo do estudo avaliar a estrutura, odesenvolvimento e a funcionalidade da famíliade mulheres com câncer de mama submetida àmastectomia.REFERENCIAL TEÓRICOModelo Calgary de Avaliação FamiliarVersa-se de um modelo multiestrutural,aprovado em todo o mundo e referenciado emcursos de enfermagem(6). Tem como meta avaliara família e adquirir informações, habilidades econhecimentos para plausíveis intervençõesimperativas. Envolve os conceitos de sistema,comunicação, mudança e cibernética, sendocomposto por três categorias fundamentais:estrutural, de desenvolvimento e funcional(1-3,6).É função de cada enfermeiro selecionar as663

subcategorias desse modelo a serem exploradas.Deste modo, nem todas as subcategorias sãoavaliadas em um primeiro encontro, e algumaspodem nunca ser exploradas(2,6-7).A categoria estrutural abrange a estruturada família, ou seja, quem faz parte dela, qualé o vínculo afetivo entre seus elementos emcomparação com as pessoas de fora, e qual é o seucontexto(2,6). Três aspectos da estrutura familiarpodem ser determinados: estrutura interna(composição da família, gênero, orientação sexual,ordem de nascimento, subsistemas e limites),estrutura externa (família extensa, informaçõessobre a origem e procriação da família e sistemasmais amplos, que se referem a diferentesestabelecimentos sociais e pessoas com os quaisa família tem certo contato e que laboram comoapoios pontuais) e contexto (etnia, raça, classesocial, espiritualidade/religião e atizar as estruturas internas e externasda família: o genograma e o ecomapa(1-2,6). Ogenograma é uma representação gráfica daestrutura familiar interna. O escopo fundamentaldo genograma é assessorar na avaliação,planejamento e intervenção familiar(6). Na suaelaboração são empregados símbolos e códigosque seguem um padrão; e assim que pronto,permite verificar de forma clara quais membroscompõem a família e, deste modo, providenciabases para a análise e discussão das interaçõesfamiliares(7). Propicia também que a própriafamília identifique quais elementos a integram eas relações estabelecidas entre esses membros(6-7).O ecomapa é um diagrama das relações viventesou não entre a comunidade e a família, e permiteestimar apoios sociais e as redes disponíveis, alémda utilização destes pela família(1,6). O ecomapaé dinâmico, uma vez que representa a presençaou a ausência de recursos econômicos, sociaise culturais, em certo período do ciclo vital dafamília, os quais podem ser modificados ao longodo tempo(6-7).A categoria de desenvolvimento faz referênciaà mudança progressiva da história da famíliadurante as fases do ciclo de vida: sua história,o fluxo de vida, o crescimento da família, onascimento e a morte(2).Em relação à categoria funcional, refere-se àmaneira como as pessoas da família interagem.Pode ser explorado o aspecto do funcionamentoinstrumental, que está relacionado às atividadesda vida diária, e o aspecto do funcionamento664expressivo, referente a modos de comunicação,solução de problemas, crenças, papéis, regras ealianças(2,6).Acredita-se que, ao considerar a família damulher com câncer de mama que vivenciou amastectomia como um sistema, isso contribuirápara a sustentação da operacionalização de umaavaliação familiar integral, que reconheça a suaestrutura, o desenvolvimento de suas tarefas ede seus vínculos no decorrer do ciclo de vida eo funcionamento de suas atividades e estilos decomunicação.Dentro desse ponto de vista, a dinâmicafamiliar influencia o desenvolvimento da mulher,sua situação ao passar pelo tratamento de câncerde mama e ser mastectomizada e esta por suavez, influencia a dinâmica do grupo familiar,continuamente.MÉTODOVisando atingir o objetivo traçado, adotouse como estratégia metodológica da abordagemqualitativa o estudo de caso(8), método amploque permite ser aplicado a uma variedade deproblemas e pode ser utilizado em diversasáreas de pesquisa para proporcionar maiorconhecimento e envolvimento do pesquisadorcom uma situação real observada. Comoreferencial teórico foi utilizado o MCAF.O estudo foi realizado por meio de quatroencontros com as duas famílias estudadas. Afamília estendida foi constituída por duas irmãs eseus respectivos filhos homens, as duas mulheresforam submetidas ao procedimento e tratamentopara a neoplasia de mama. A outra família eranuclear, formada pelo casal e suas três filhas.A primeira entrevista teve por objetivoapresentar os aspectos éticos e legais pararealização da pesquisa e convidá-los a participaremda mesma. Na segunda visita foi construído ogenograma e o ecomapa com a participaçãoda família. Na terceira e quarta visitas, foramrealizadas discussões e considerações sobre ogenograma e o ecomapa e orientações específicaspara cada situação vivenciada pela família.O cenário de estudo foi o domicílio das famíliasdas mulheres que passaram pelo tratamentode câncer de mama e foram mastectomizadas,moradoras de um município do estado de MinasGerais. Foram realizadas visitas domiciliares nosmeses de maio a setembro de 2014.Com base em amostragem por conveniência,Cogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671

adotaram-se como critérios de inclusão: famíliascom pelo menos uma mulher que tivesse passadopor tratamento de câncer de mama e mastectomia,moradoras de um município do estado de MinasGerais, cenário da pesquisa, e cadastradas emuma entidade filantrópica, sem fins lucrativos.Os critérios de exclusão foram: famílias demulheres mastectomizadas sem endereço e/ou telefones no cadastro, sem disponibilidadepessoal para entrevistas nas visitas domiciliares eincapacidade de compreender e/ou responder asentrevistas.Os participantes foram sete integrantes de duasfamílias que desejaram ser incluídos na pesquisa.As três mulheres das duas famílias encontravamse em terapia adjuvante com tamoxifeno, ummodulador seletivo do receptor de estrógenooral, utilizado no tratamento do câncer de mama.Ressalta-se que, embora nem todos osintegrantes das famílias tenham participado dapesquisa, o enfoque foi a unidade familiar. Dessaforma, todos os participantes foram convidadosa observar sua família, conforme preconiza oreferencial MCAF(6).Utilizou-se o instrumento do MCAF(6),composto por perguntas abertas, enfocando aavaliação estrutural da família (com a construçãodo genograma e do ecomapa), a avaliação dodesenvolvimento da família ao longo do ciclovital com suas tarefas e vínculos, e a avaliaçãodo funcionamento instrumental (atividades davida diária) e expressivo (estilos de comunicação,papéis, influência, crenças, alianças da família).A construção do genograma e do ecomapafoi realizada com a participação da família, comliberdade para discussões e considerações sobreos diagramas, além das orientações específicaspara cada situação vivenciada. O desenvolvimentodo estudo ocorreu em conformidade com ospreceitos éticos e o projeto foi aprovado peloComitê de Ética e Pesquisa da UniversidadeFederal de São João del-Rei, conforme CAAE:28929914.5.0000.5545 e protocolo número 620.273.Para preservar a identidade dos membros dasfamílias participantes, usaram-se nomes fictíciosda flora.RESULTADOSA família um era composta por Cravo eMargarida e suas três filhas Orquídea, Romã eBromélia, conforme Figura 1.Na avaliação estrutural da família Um, foiCogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671identificada que ela é do tipo nuclear. Margarida,que fez mastectomia total, quimioterapia eradioterapia em 2012, trabalha como manicuree reside em casa própria. Ela e mais oito irmãossão fruto de um relacionamento de 56 anos; seupai (Girassol) mora sozinho próximo de sua casae necessita de seus cuidados e das suas filhas,devido a não saber cozinhar e apresentar falhasna memória. Sua mãe (Rosa) faleceu com 69 anosvítima de câncer de mama metastático, dois mesesapós o diagnóstico e início do tratamento paracâncer de mama de Margarida. Cravo, marido deMargarida, tem 44 anos e trabalha como vigilanteem um banco privado. O casal teve três filhas,cujas idades são 17, 14 e 8 anos, todas frequentama escola e, Orquídea, a filha mais velha, além deestudar no período noturno, trabalha em umcomércio de roupas.O vínculo afetivo entre eles é muito forte,como verificado na Figura 2.Em relação à categoria desenvolvimental,identificamos que Margarida é a única quenecessita de fazer acompanhamento de saúde naentidade filantrópica localizada na cidade ondereside, sem fins lucrativos, cujo objetivo é prestarassistência a pessoas com neoplasias e na UnidadeBásica de Saúde próxima de sua residência. Afirmaque segue corretamente todas as orientações dosprofissionais de saúde quanto aos cuidados parasua condição atual e que ambos os atendimentossão de excelente qualidade.Faz uso diário de tamoxifeno e eventualmenteutiliza alguns analgésicos para dor na coluna.Renda familiar de seis salários mínimos, realizamatividades diversificadas para melhorar aqualidade de vida, como por exemplo, Margaridarealiza fisioterapia (Reeducação Postural Global)e todos os membros da família caminhamdiariamente. Nos últimos dois anos, frequentouum hospital em Belo Horizonte, Minas Gerais,para realização inicial de sessões de quimioterapiaseguidas de radioterapia, e após mastectomiatotal. Durante as visitas domiciliares, queixouse do calor que começou a sentir após iníciodo uso do tamoxifeno. Apesar de todo encargocom seu pai e medo de morrer e deixar suasfilhas, consegue manter boa qualidade de vida.Os outros membros da família relataram nãoter doenças. A família utiliza exclusivamente oSistema Único de Saúde.Por meio da avaliação da categoria funcional,foi identificado que Margarida é amiga e parceirado seu companheiro, com quem é casada há 22anos. A relação com o marido é de afeto, ajuda665

Figura 1 – Genograma da família 1. Divinópolis, 2014Figura 2 - Ecomapa da família 1. Divinópolis, 2014666Cogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671

mútua e preocupação de um para com o outro.Em seus relatos, demonstra sempre de maneiracarinhosa e afetiva ter um bom relacionamentocom as três filhas. No entanto, em algunsmomentos relatou existir relação conflituosacom um de seus irmãos, que reside próximo efaz uso exacerbado de bebida alcoólica. Nestesmomentos de estresse, Margarida procura suairmã mais nova (Gardênia) com quem mantémuma forte relação, entretanto, verificou-se que serelaciona muito bem com todos os irmãos e comos familiares do marido. As filhas, em entrevistacom as pesquisadoras, afirmaram terem medo dea mãe vir a falecer, com um retorno do câncer,como aconteceu com a avó materna.É uma família dinâmica, sempre participamde atividades de lazer juntos e com amigos, taiscomo caminhadas diárias, bingos e reuniõessociais que realizam em sua residência. Duranteos encontros, todos os membros demonstraramter uma relação forte com Deus, são evangélicos,frequentam juntos os cultos aos domingos.Margarida inclusive disse que Deus é seuconfidente espiritual para todos os momentos,tantos os de alegria como os de tristeza.Ao ser questionada sobre o conceito de saúdee às mudanças ocorridas em sua vida, Margaridarelatou que para ela saúde é ter disposição eanimação para realizar todas as suas atividades,e que sempre reage muito bem às mudançasocorridas em sua vida, procurando enfrentare superar, sejam elas positivas ou negativas.Ressaltou ainda a importância da presença defamiliares e amigos durante o seu tratamento, pormeio do incentivo, apoio, carinho e solidariedadedemonstrada.A família Dois, representada na Figura 3, eracomposta por duas irmãs, Araucária (50 anos)e Camélia (48 anos), e seus respectivos filhos,Hibisco com 28 anos e Jacinto com 17 anos deidade.Na avaliação estrutural da família Dois, foiidentificado que ela é do tipo estendida. Moravamem uma casa que é de propriedade de seu irmãomais velho, não pagam aluguel. Elas e mais seteirmãos são fruto do relacionamento de seuspais; ambos falecidos. Araucária é a quarta filhae Camélia a quinta. Hibisco, filho de Araucária,é educador físico e trabalha em duas academiasde ginástica. Jacinto, com 17 anos, estuda à noiteno terceiro ano do segundo grau e trabalha emuma copiadora. Os vínculos afetivos entre mãefilho, tia-sobrinho e primos são fortes. Já as irmãstêm divergências de opinião a todo momento,Cogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671confirmado pelos seus filhos. O genograma e oecomapa apresentado foram construídos junto àsirmãs e seus filhos. A mais velha delas é viúva, jáa mais nova é divorciada. Em relação à categoriadesenvolvimental, identificamos que Araucáriae Camélia, atualmente fazem uso de tamoxifenodiário, como verificado na Figura 4.No final do ano de 2009, Araucária apresentousintomatologia de câncer de mama e foi submetidaà mastectomia total e quimioterapia. Em junhode 2010, Camélia foi diagnosticada com câncerde mama, sendo submetida à quimioterapia,radioterapia e mastectomia total. Ambas fizeramtratamento em um hospital da rede públicalocalizado em Belo Horizonte, estado de MinasGerais.Atualmente ambas fazem acompanhamento desaúde na entidade filantrópica localizada na cidadeonde residem, sem fins lucrativos, cujo objetivoé prestar assistência a pessoas com neoplasias,e na Unidade Básica de Saúde próxima de suaresidência. Afirmam que seguem corretamentetodas as orientações dos profissionais de saúdequanto aos cuidados para sua condição atual eque ambos os atendimentos são de excelentequalidade. A renda salarial mensal da família é desete salários mínimos. Araucária demonstra maisotimismo e animação, faz caminhadas diariamentee viaja pelo menos uma vez por mês com amigas.Já Camélia é tímida e não gosta de sair de casa,prefere ver televisão e ouvir rádio.Por meio da avaliação da categoria funcional,foi identificado que as irmãs desempenham opapel de mãe, pai, dona de casa, amiga e parceirados seus filhos e sobrinhos. No entanto, emmuitos momentos relataram existir relaçãoconflituosa entre as irmãs devido à diferençana personalidade e modo de viver a vida. Nosmomentos de estresse procuram a irmã caçula(Dália) com quem mantêm uma forte relação e éuma referência para toda a família desde a mortede seus pais.O impacto do câncer na vida de Caméliaparece ter sido grande, pois afirmou ter medode metástases e muitas vezes ficar pensativa echorosa. Já Araucária demonstrou otimismo eadaptação às limitações impostas pela doença,reage bem às mudanças ocorridas em sua vida,procurando enfrentar e superar, sejam elaspositivas ou negativas, inclusive passou a ter umnovo estilo de vida, mais ativo após o término dotratamento quimioterápico. Relataram receberapoio e incentivo de todos os familiares, vizinhose amigos.667

Figura 3 – Genograma da Família 2. Divinópolis, 2014Figura 4 - Ecomapa da família 2. Divinópolis, 2014668Cogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671

Em relação à religiosidade, Camélia diz serTestemunha de Jeová e frequentar os cultosquinzenalmente, Araucária relatou ser católica,freqüenta as missas todos os domingos que nãoestá viajando. Ao serem questionadas sobre oconceito de saúde e às mudanças ocorridas emsua vida, relataram que para elas saúde é terdisposição e animação para realizar todas as suasatividades, e ressaltaram ainda a importância dapresença de familiares e amigos durante o seutratamento, por meio do incentivo, apoio, carinhoe solidariedade demonstrados.DISCUSSÃOAs duas famílias eram de tipologias diferentes,a primeira era a peculiar família nuclear,representada pela mãe, pai e filhas, e a segundaestendida composta por duas irmãs e seusfilhos únicos. Juntamente com o processo deadoecimento pelo câncer, surgem desafios aserem vivenciados pela pessoa e pela família. Nodecorrer da pesquisa, após buscar compreendero cotidiano vivenciado pelos familiares dessasmulheres que passaram por tratamento decâncer de mama e mastectomia, mas ainda estãoem acompanhamento com uso de tamoxifeno,verificou-se que o tratamento, em especial amastectomia total, causa um impacto não apenaspara a mulher, mas estende-se no âmbito familiar,contexto social e grupo de amigos.Adoençaafetaosrelacionamentosinterpessoais na família, visto que as alteraçõespela qual a mulher está passando tanto deordem física, emocional e social se estendem aosfamiliares(9).Geralmente, eles não estão preparados paraenfrentar o adoecimento de um ente queridoe para suportar a dor e o sofrimento de seufamiliar, o que torna o sofrimento ainda maior.Nesta pesquisa, este quesito ficou claro para aspesquisadoras. O principal e de suma importânciapara a recuperação envolve a vivência familiar,mesmo que a dor sobressaia muitas vezes, oacompanhamento, o apoio e a cumplicidade fazema diferença no resultado final do tratamento(10-11).A família exerce um papel primordial na vidadestas mulheres.O vínculo se configura por intermédio dasligações afetivas e de proximidade que, na maioriadas vezes, estão presentes nas demonstraçõesde carinho, afeto, sentimento de vontade depermanecerem juntos, admiração e respeito,que imprimem sensação de felicidade(9,12), comofoi encontrado de forma transparente pelaCogitare Enferm. 2015 Out/dez; 20(4): 662-671família Um, na qual a harmonia está presentee transparece nos atos e nas falas de todos osmembros.Na família Dois, percebeu-se que Araucária eCamélia têm conflitos diários em relação ao estilode vida diferente e aos afazeres domésticos, mastem forte ligação afetiva entre si e com os familiarese, quando necessário, se apoiam e procuram airmã Dália para auxiliar no gerenciamento deconflitos, visto que a irmã caçula representapara todos os familiares uma líder assertiva. Osvínculos afetivos podem também ser formadoscom quem não se tem laços consanguíneos,como é o caso de Araucária, que viaja pelo menosuma vez por mês com as amigas. Vale ressaltarque cada pessoa reage de forma diferente com adoença e que os vínculos não se estabelecem deforma igualitária.A fundamental fonte de ajuda e apoio dapessoa que sofreu com o tratamento do câncere está em acompanhamento são seus familiares,todavia a rede social, constituída por indivíduosque podem apoiar a pessoa, como os amigose os vizinhos, é igualmente apontada comofundamental e imprescindível para suplantar asdificuldades(12-14).No caso da família de Araucária e Camélia, osprofissionais devem saber que Dália constituiuma aliada importante e que necessita servalorizada e instrumentalizada de maneira aagir de forma eficaz. Ela pode, por exemplo, serorientada a supervisionar, mesmo que à distância,o relacionamento das irmãs e, incentivar Caméliaa realizar alguma atividade de lazer e ter umconvívio social maior. No caso de Margarida,o esposo Cravo e sua irmã Gardênia são osfamiliares que desenvolvem o papel de aliadosdos profissionais de saúde.Margarida conta também com outro auxílio, afé e a crença na força divina. Estas têm importantepapel no equilíbrio emocional, na aceitação dasatividades, e proporcionam força para continuara lutar e contribuir para o fortalecimento dosvínculos familiares(3,15). Araucária e Caméliaembora sejam religiosas não relataram a fé comoaliado de aceitação e força.A fé auxilia a pessoa a confiar em uma forçasuperior e ajuda a manter a esperança(10) e,constitui uma forma de pensar construtiva, éum sentimento de confiança de que acontecerásempre o melhor(1,10). Efetivamente, a fé é umsentimento enraizado na nossa cultura e étão indispensável quanto outras formas de669

enfrentamento(1,15) de uma condição crônica.As crenças, os valores, os comportamentosassimilados no convívio social conjecturam asexperiências de vida que a pessoa e a famíliavão adquirindo no processo saúde/doença eno autocuidado(1). A partir desse pressuposto,o enfermeiro necessita compreender a família,acolhendo e reconhecendo suas experiências,a fim de mobilizar a investigação de novosconhecimentos e formas de aprendizagem parao exercício do cuidado com o familiar doente,destacando a importância das necessidadese prioridades da pessoa e de sua família,buscando qualificar e humanizar o atendimentoprestado(1,3,9).CONSIDERAÇÕES FINAISA avaliação familiar pautada no Modelo Calgarypossibilitou conhecer as famílias e levantaros aspectos fundamentais da sua estrutura,desenvolvimento e funcionamento. Sabe-seque um dos grandes potenciais de atençãono domicílio é a capacidade de proporcionarsuporte e de fortalecer as famílias, dentro das suasespecificidades, para lidarem com circunstânciascríticas, como o câncer de mama, de forma aminimizar o sofrimento.Os resultados deste estudo podem ser usadospelos enfermeiros para subsidiar o planejamentodo trabalho no cuidado à mulher com câncere sua família, possibilitando que auxilie afamília na identificação de suas fragilidades epotencialidades.Identificou-se que, a partir da avaliaçãointegral da família, foi possível, em parceria comseus integrantes, propor intervenções de ajudapara a melhoria da qualidade de vida familiar,ajudando-a a vislumbrar suas próprias soluçõespara lidar com os problemas cotidianos.A limitação deste estudo está relacionada aométodo qualitativo que não permite generalizaçãodos resultados ou estabelecimento de relaçõesde causa e efeito.A relevância do mesmo sustenta-se no fato deter possibilitado compreender a vivência de todosintegrantes da família da mulher mastectomizada,com base nas relações e sentimentos e apossibilidade de superação.REFERÊNCIAS6701. Radovanovic CAT, Cecilio HPM, Marcon SS.Avaliação estrutural, desenvolvimental e funcionalda família de indivíduos com hipertensão arterial.Rev. Gaúch. Enferm.[Internet] 2013; 34(1) [acessoem 30 jan 2015].Disponível: rmagem/article/view/31893/245022. Silva L, Bousso RS, Galera SAF. Aplicação do ModeloCalgary para avaliação de famílias de idosos na práticaclínica. Rev. Bras. Enferm. 2009; 62(4):530-4.3. Cecilio HPM, Santos KS, Marcon SS. Modelo Calgaryde avaliação da família: experiência em um projeto deextensão.Cogitare enferm. [Internet] 2014; 19(3)[acessoem 22 abr 2015]. Disponível: htt

REFERENCIAL TEÓRICO Modelo Calgary de Avaliação Familiar, Versa-se de um modelo multiestrutural, aprovado em todo o mundo e referenciado em cursos de enfermagem(6). Tem como meta avaliar a família e adquirir informações, habilidades e conhecimentos para plausíveis intervenções imperativas.