Mangá: Uma Ferramenta Didática Para Multiletramentos - Uel

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MANGÁ: UMA FERRAMENTA DIDÁTICA PARA MULTILETRAMENTOSCélia Tamara Coêlho128Elvira Lopes Nascimento (Orientadora)RESUMOO objetivo dessa pesquisa é o de apresentar dados de análise dosmecanismos verbais e não-verbais presentes no gênero Mangá queconstituem aspectos de multimodalidade (KRESS & VAN LEEUWEN, 2001;DIONÍSIO, 2006) e que possibilitam a aproximação da linguagem dessetipo de HQ com a linguagem falada no nosso cotidiano. Para tanto,selecionamos trechos do seguinte Mangá que se constitui em nosso corpusde análise: “Chobits” nº2 da Editora Kodansha distribuída no Brasil pelaEditora JBC. Dessa maneira, os simulacros edificados por esse gênerotextual (NASCIMENTO, 2009) permitem que a linguagem da arte misturese com a linguagem da vida por meio da fala, dos comportamentos e dosaspectos culturais representados simbolicamente em suas histórias. Dessaforma, partimos do pressuposto de que tal tipo de HQ é um textovisualmente mais informativo e que requer dos leitores um letramentomultimodal para interpretar aspectos lingüísticos e visuais e assim,compreender os efeitos de sentido presentes no texto.Palavras-chaves: Mangá, multimodalidade; multiletramento.128Aluna bolsista do programa CAPES/CNPQ do mestrado em Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).Colaboradora do projeto de “Pesquisa Gêneros Textuais e Ferramentas didáticas para ensinoaprendizagem de Língua Portuguesa”,coordenado pela minha orientadora Profa Dra Elvira Lopes Nascimento.389

IntroduçãoA linguagem em seus aspectos de representação da vida coevoluiu com a maneira de construção da sociedade contemporânea. Dessaforma, cultura, história e linguagem interelacionam-se e modificam-seconstantemente, na medida em que representam o agir, o pensar, o ser eo sentir de um ser humano, ao mesmo tempo, multifacetado e individualque fabrica a realidade tanto cotidianamente quanto nas histórias dasHQs. Convém ressaltar que o gênero Mangá129constitui-se em uma dasformas de manifestação artística, em que o discurso da arte e da vidafundem-se.O advento da imagem como simulacro de edificação simbólica esemiótica da realidade social evidencia as mudanças na forma de ler eproduzir dos textos, que passam a ser vistos como construtos multimoda,nos quais a modalidade escrita é vista como um dos modos derepresentação (MOZDZENSHI, 2008).Portanto,Imagem e palavra mantêm uma relação todasnovastecnologias, com muita facilidade se criamnovas imagens, novos layouts, bem como sedivulgam tais criações para uma amplaaudiência. Todos os recursos utilizados naconstrução dos gêneros textuais exercem umafunção retórica na construção de sentidos dostextos. Cada vez mais se observa acombinação de material visual com a escrita;vivemos sem dúvida, numa sociedade cadavez mais visual.(DIONÍSIO, 2006, p.131-144)129A idéia que norteia esse trabalho a respeito da conceituação de gênero é a Bakhtiniana de que os gêneros textuais constituem-se ementidades sócio discursivas que refletem e refratam os modos de agir, de pensar e de organizar da sociedade390

A linguagem é concebida como um mecanismo de interaçãosocial que tanto reflete quanto refrata a vida cotidiana e que sempre textuaisperpassam as manifestações discursivas e sociocognitivas dos empatespolítico-ideológicos que moldam e constroem as relações entre os sujeitos,bem como,determinam os papéis sociais a serem seguidos nas distintassituações do viver em sociedade.O discurso verbal e não-verbal, portanto, dentro de cada gênerotextual é resultado de uma ação comunicativa tanto coletiva quantoindividual que se atualiza, constantemente, pelo fato da rossimilhança.Essaverossimilhança não significa uma “cópia” exclusiva do real, mas raseja,aosuacompreensão.O Mangá diante do contexto da disseminação da informação emum “click”, da iconização da cultura e sua transposição para a tela docinema, bem como, a sua influencia na elaboração dos quadrinhosnacionais e mundiais, torna-se um fenômeno global que legitima edissemina padrões de comportamento, formas ideológicas do pensar, doagir e do dizer da cultura japonesa, ao mesmo tempo em que simboliza osmecanismos ideológico-culturais de uma sociedade capitalista. Dessamaneira, essa cultura pop130abarca uma diversidade de leitores(crianças, jovens e adultos) que fascinados pela sua linguagem hibrida deleitura fácil e prazerosa projetam seus sonhos, escondem seus medos aspersonagens do mangá, que, ao contrario dos super-heróis produzidos no130“Cultura popular, cultura de massa ou cultura pop é a cultura vernacular - isto é, do povo - que existe uma sociedade moderna. Oconteúdo da cultura popular é determinado em grande parte pelas indústrias que disseminam o material cultural, como por exemplo asindústrias do cinema, televisão, música e editorais, bem como os veículos de divulgação de notícias. No entanto, a cultura popular não podeser descrita como o produto conjunto dessas indústrias; pelo contrário, é o resultado de uma interação contínua entre aquelas e as pessoaspertencentes à sociedade que consome os seus produtos”. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura popular acessado em 25/07/10391

ocidente, são heróis concebidos a partir do mundo real, os quais aspessoas podem encontrar, além de uma espécie de miniatura. Essasrevistas servem para que os leitores vivenciem suas fantasias, quepreferem reprimir e interiorizar. São abundantes e oferecem uma válvulade escape silenciosa afeita aos japoneses, que preferem reprimir seussentimentos. [.] (LUYTEM, 2001, p.40).Essa leitura de escape presente no cotidiano, não somente, nasociedade oriental, como também na ocidental atrai milhares de pessoasque se reúnem em feiras como a Comic-Comanimes132(2010)131, encontros de, ou mesmo, em casa depois de um dia estressante para leremo Mangá, evidenciando que esse gênero se constitui em uma fonte damemória compartilhada repleta de valores e regras aceitos, modificados ereescritos pelas personagens e pelos leitores que são ao mesmo tempoinfluenciados e influenciadores.Os Mangás, essas narrativas icônico-verbais, ao serem lidosprecisam acionar uma rede de significações sociocognitivas o que requerque o leitor seja multiletrado para poder perceber que esse tipo de textonão é tão inocente quanto parece ser. Para tanto, propomos seu uso nasescolas apoiado em uma prática pedagógica que permita ao aluno ser umsujeito crítico e reflexivo sobre os textos que lê e produz, para podercompreender, interpretar e resignificar os efeitos de sentido e ossignificados tanto explicito quanto implícito nos textos que utilizam tantolinguagem verbal quanto não verbal.É inegável a importância desse gênero quadrinizado, tanto queseu uso passa a ser didatizado na forma de cartilhas jurídicas e de saúde,a fim de esclarecer a população sobre seus direito e deveres, no primeirocaso, e no segundo, como forma de profilaxia. Dessa maneira, a131Uma das maiores convenções de quadrinhos do mundo, a Comic-Con acontece de 21 a 25 de julho em San Diego, nos Estados to acessado em 25/07/10132Termo que define desenhos japoneses (animações) os quais derivam do mangá.392

linguagem fluida e oralizada ancorada pelas imagens é um mecanismoque seduz ao mesmo tempo que manipula discretamente seus leitores pormeio dos estereótipos sociais disseminados pelas personagens dessashistórias. Nesse sentido, entendemos que esse gênero se presta aatividades de letramento escolar por se tratar de uma prática discursivaemergente que está ligada à aparição de novas motivações sociais quesão resultantes de novas circunstâncias de comunicação associadas àprodução tecnológica, constituindo assim um novo ambiente de interaçãosocial que precisa ser estudado e didatizado.1. Breve histórico do gênero Mangá e suas característica: aedificação de um fenômeno mundialA imagem permeia a vida humana desde os primórdios, uma vezque surge antes da palavra escrita para representar os costumes, osvalores, os hábitos e mesmo a religiosidade e o misticismo como forma deregistro de uma cultura oralizada. Dessa maneira, os desenhos retratam oviver da sociedade desde as pinturas rupestresalfabeto ideográfico134133, ao surgimento do, até a utilização dos textos imagéticos nasociedade contemporânea e sua fusão com o texto verbal, quadrinizado,televisivo e virtual (internet).133As pinturas rupestres são desenhos feitos nas paredes das cavernas que retratam o cotidiano das sociedades préhistóricas, bem como, seuscostumes e valores sociais. Elas são consideradas patrimônio da humanidade desde 1993 pela UNESCO. (ENCICLOPÉDIA BARSADIGITAL, 2001 – CD ROOM)Uma das maiores convenções de quadrinhos do mundo, a Comic-Con acontece de 21 a 25 de julho em SanDiego, nos Estados Unidos. http://noticias.bol.uol.com.br/entretenimento acessado em 25/07/10134O alfabeto ideográfico surge há aproximadamente 3.000 a.C, sendo utilizado pelas seguintes civilizações fenícia, egípcia. Os feníciosforam os primeiros a inventarem esse tipo de escrita pictográfica em tabuas de barro e de maneira, representado de uma maneira cuneiforme(em forma de cunha) com a finalidade de registro e preservação de sua cultura. Outras sociedades também possuem esse tipo de alfabetochinesa e japonesa. (ENCICLOPÉDIA BARSA DIGITAL, 2001 – CD ROOM)393

Pinturas RupestresFonte: http://pt.wikipedia.orgDesenho Mangá (animes)Fonte: http://ultradownloads.uol.com.brO Mangá, história em quadrinhos japonesa, constitui-se em umanarrativa icônico-verbal, sendo utilizada pela primeira vez pelo ilustradorKatsushika Hokusai135em 1814 durante o período Edo136(LUYTEN,2001), em formato de livro, para poder retratar de uma maneira lúdica ascaracterísticas dessa sociedade. Convém ressaltar que esse gênero textualderiva do emakimono, pintura japonesa em rolos de papel com textos quecontavam histórias do cotidiano, dos valores e hábitos, à medida em queiam sendo desenrolados (MOLINÉ ,2004).Outro fato que propiciou a sua disseminação consiste em que amaioria da população japonesa era analfabeta em relação ao alfabetoKanji137e o Mangá, dessa forma, precisou utilizar os desenhos de traçossimples e estilizados de influencia chinesa para substituir aos ideogramas135Katsushika Hokusai (葛飾北斎?, outubro ou novembro de 1760 – 10 de maio de 1849) foi um artista japonês, pintor deestilo ukiyo-e e gravurista do período Edo. Em sua época, era um dos principais especialistas em pintura chinesa do Japão.[1]Nascido em Edo (atual Tóquio), Hokusai é melhor conhecido como autor da série de xilogravuras Trinta e seis vistas domonte Fuji (富嶽三十六景, Fugaku Sanjūroku-kei?, c. 1831) que inclui sua pintura icônica e internacionalmente conhecida,A Grande Onda de Kanagawa, criada durante a década de 1820”. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Katsushika Hokusaiacessado em 27/07/10136Período Edo marca o início do período moderno no Japão por Xogun Tokugawa Ieyasu (1603 a 1868). Nessa dinastia oJapão isola-se do resto do mundo por meio de uma política anti-estrangeirismo chamada de shogun e desenvolve quantoaprimora técnicas de gravação, bem como de suporte gráfico.137O Kenji é um dos três tipos de alfabetos oficiais japoneses, composto de ideogramas (desenhos) para representar palavrase até mesmo frases. Convém ressaltar que além do som, explora também, a idéia contidas nos signos. Os outros são: oHiragana e o Katagana, cada um com 48 caracteres.394

nagensapeloreconhecimento dos arquétipos emocionais vinculados por esse tipo deHQ.Contudo, foi na Era Meiji (1868 a 1912) que o Mangá passa a seconfigurar mais próximo do seu formato atual pela abertura ipalmente,aosnorte-americanos (LUYTEN, 1976). Para tanto, houve o início de uma indústriado entretenimento, na qual o Mangá passa a possuir linearidade em suashistórias e personagens fixos que se baseiam na infra-estrutura �oentrealinguagem verbal e não-verbal com a utilização de quadros e balões paratransmissão das histórias e com enfoque nos desenhos). Segundo Moliné(2004) a primeira HQ japonesa com esses procedimentos foi criada porRakuten Kitazawa em 1901 (Tagosaku to Morukubei no Tokyo Kenbutsu A Viagem a Tokyo de Tagosaku e Morukubei).Com o advento do cinema, na década de 20, os japonesespuderam utilizá-lo para desenvolver animações sonoras baseadas nashistórias dos Mangás (SATO, 2005). Mas, somente da década de 50 é queo termo anime desponta-se, sendo uma derivação da palavra inglesaanimation, designando os desenhos animados japoneses (LUYTEM, 2001).A partir desse momento, os Mangás e animes com Osamu Tesuka sofremduas profundas transformações, de acordo com Moliné (2004): 1) odesenho acentuado dos olhos para melhor representar simbolicamente ossentimentos e emoções psicológicas de uma forma mais profunda adramentocinematográfico e animação para induzir movimento e passagem dotempo nessas histórias. Portanto, esse gênero textual alcança proporçõesglobais, contituindo-se em um produto de exportação que abarcamercados como os dos EUA, Mexico, Brasil, etc. Em solo brasileiro há,primeiramente, uma explosão mercadológica dos animes (Dragon Ball Z,395

riordisseminação em formato de HQ. Hoje, os Mangás são inegavelmente, umfenômeno em vendas e atraem milhares de leitores que sucumbem aleitura prazerosa e emocionante de suas histórias que retratam variastemáticas tais como: sátira a sociedade atual, crise existencial, humor esexualidade, etc.Convém evidenciar que apesar de influenciado pelas HQsamericanas, o Mangá apresenta peculiaridades tais como: 1) personagenspróximas da realidade social, já que desempenham papéis sociais dopassado, do presente e da perspectiva do futuro da cultura japonesa,podendo ser: samurais, dona de casas, vendedores, estudantes, robôs,etc. Portanto, não há o misticismos dos heróis americanos, ou seja, essaspersonagens são reais, sem super-poderes e com traços humanos como odualismo (convivem em seu ser e existir traços de bondade e maldade) enão são imortais; 2) o público leitor influencia na sua escrita, podendoalongar as histórias ou reduzí-las, chegando, até mesmo, a terminá-las;3) há uma linearidade temporal e cronológica, na qual o produtor doMangá, chamado de Mangaka, elabora as histórias a partir do nascimentodas personagens, passando pela sua adolescência, maturidade, velhice eaté, evidenciando, a morte das mesmas. Tal procedimento, propicia umavisão geral da história, aproximando-a da vida cotidiana real, uma vez queo viver das personagens é verossímil, ou seja, é reconhecido comorealidade possível; 4) a leitura das histórias é realizada da direita paraesquerda, diferente da leitura da sociedade ocidental (esquerda para adireita); 5) sua impressão acontece em papel jornal e, geralmente, é feitade forma monocromática (em preto e branco) para baratear os custos deimpressão; 6) os formatos dos balões são diferenciados, mas próximosdos convencionais americanos; 7) ênfase na expressão caricatural daspersonagens, com olhos acentuados e traços, ao mesmo tempo angélicasquanto sexis, e personagens masculinas com rostos afeminados; 8)sobreposição dos quadros e o formato dos mesmos, possibilitam a idéia de396

movimento cinematográfico durante a sua leitura; 9) divisão em faixaetárias: shounen (garoto jovem) ,shoujo (garota jovem),o gekigá, que éuma corrente mais realista voltada ao público adulto, seinen para homensjovens e josei para mulheres. Os desenhos abaixo possuem a finalidadede exemplificar os tópicos comentados anteriormente.215436Forma de leitura dos MangásRevista de Mangá: Chobits nº2 pg. 34397

OsMangásconquistamcada vez mais espaço nosmomentos de lazer de eválvuladeescape de uma realidadepermeada por regras deconduta e moral de umasociedade capitalista queenaltece, a cada dia, oparecer e não o ser.HQ americana: Marvel 2000 oimaginário em que podem realizar as suas fantasias, explorar os seusmedos, salvar lindas donzelas, liberar pudores, etc. Tudo, sem sair decasa, e ainda gastando muito pouco, em uma viagem pelo universoacessível do Mangá, que não é nada ingênuo ou neutro.2 Multimodalidade e multiletramento: a construção dos múltiplossignificados dos textosA fim de disseminar a utilização e a didatização na esfera escolardo gênero Mangá, aproveitamos para evidenciar que como todo tipo detexto, esse possui um discurso dialógico e manipulador, no sentido queseduz os leitores de forma consciente ou não a utilizar e aceitar osprodutos, objetos de consumo, que são veiculados em suas histórias, bem398

como, as idéias, os valores e as crenças que influenciam a forma de agir ede ser dos indivíduos no mundo real cotidiano. Para tanto, é necessáriouma escola voltada para a formação de um sujeito histórico e social quenão pode desvincular do seu conteúdo programático textos da culturapopular (PCNs, 1998), além de, possibilitar aos alunos desenvolver eaprimorar as suas capacidades lingüísticas, cognitivas e discursivas(BRONCKART, 2003) para que possam se tornar multiletrados, ou seja,interpretar e analisar textos multimodais (NASCIMENTO, 2009).Segundo Kress e Van Leeuwen, 2001, gêneros multimodaisreferem-se àqueles que utilizam além da linguagem verbal uma linguagemnão-verbal que ao se articularem geram possibilidades de sentido. Dessamaneira, devido a revolução nas formas de impressão e visualização dostextos no ciber espaço, e mesmo, a existência da possibilidade dearticulação entre texto e imagem na mídia televisiva e cinematográfica, opapel do leitor sofre profundas transformações, uma vez que se tornaprimordial para uma leitura eficaz e crítica que o indivíduo seja capaz derearranjar suas estruturas sociodiscursivas para conseguir interpretar eentender esses tipos de textos. Para Tanto, o multiletramento na visão deOliveira (2009), advêm do conceito de “letramento ideológico” queperpassa a acessibilidade de diversos textos a serem trabalhados noambiente escolar, para que os alunos sejam capazes de perceber ompreender,interpretara e resignificar os significados que são veiculados nessesdiscursos138.Como a nossa pesquisa foca-se na multimodalidade presente nogênero Mangá, aproveitamos, assim, o quadro abaixo para evidenciar osprocessos icônico-verbais de fabricação da realidade nesse discurso donarrar.138O sentido de discurso utilizado no artigo refere-se tanto a textos verbais quanto não-verbais399

Linguagem verbalLinguagem não-verbal· Estruturas lexicais, fraseológicas e· Balões, quadrados;discursivas que se combinam para· Enfoque e distribuição dapropiciar sentido e transmissão deperspectiva de enquadro dasinformação;personagens;· Polifonia, intertextualidade e· Formas de impressão edialogismo, conceitos da teoriavisualização;bakhtiniana, sendo que o primeiro· Desenhos e marcas gráficas;e o segundo referem-se a· Tipos de cores e texturas utilizadospossibilidade da existência dee seus contrastes;distintas vozes sociais que· Sobreposição de cenas e quadros;auxiliam a compor os discursos. O terceiro · Espaços em branco;termo constitui-se emqualquer produção que perpassa asrelações sociais.· Figuras de linguagem, tais comoonomatopéia, metáfora, hipérbole,etcQuadro: recorte dos aspectos da multimodalidade no gênero MangáA questão da simbolização semiótica do mundo real retratada poresse tipo de gênero aliada aos recursos verbais e não-verbais exploradosno quadro acima circundam a idéia de discurso de Fairclough (2001), quese pauta na observação dos efeitos de sentido que essa simbolizaçãoproduz em seus leitores: 1) contribui para a construção de identidadessociais e posicionamento do sujeito; 2) permeia e edifica as relaçõessociais entre os indivíduos; 3) serve de base para a construção de umsistema de crenças e conhecimentos. Dessa maneira, o “fazer sentido”dos textos multimodais como o Mangá, situa-se na qualidade da narrativaicônico-verbal em acionar em seus leitores cadeias intertextuais desentido, termo usado por Fairclough (2001), na qual a textualidade semanifesta como representação tanto explicita quanto implícita do real.As práticas discursivas que permeiam esse texto perpassam ossistemas de cognição sociais fundamentais e organizadores das atitudes edas representações sociais, que se estabelecem por meio dos estereótiposveiculados pela personagens desse tipo de HQ. Portanto, o imagináriotanto coletivo quanto individual dos seres humanos é resultado deexperiências cotidianas reais ou ficcionais, na qual arte e vida fundem-se400

em um espetáculo, que nada mais é do que o possível e o identificável deuma superposição do eu, do outro e do nós, em uma narrativa icônicoverbal que conta o próprio viver do homem sócio-histórico.3.Análise de uma cena do Mangá: “Chobits” nº2Convém ressaltar que essa pesquisa constitui-se em um recorte,ou seja, uma analise de uma cena da Revista de Mangá: Chobits nº 2criada pela CLAMP139e distribuída no Brasil pela editora JBC, em 2003.Primeiramente, gostaríamos de apresentar uma sucinta contextualizaçãodo seu contexto de produção e do seu enredo, aspectos relevantes para ocompreensão do artigo.A Revista Chobits destina-se ao público masculino de 20 a 40anos, ou seja, é do gênero seinen mangá. Sua história acontece no séculoXXI e seu personagem principal é Hideki Motosuwa, um jovem estudanteque se muda para a capital Tókio, a fim de ingressar na universidade.Quando Hideki chega a grande cidade, descobre um mundo, no qual osavanços tecnológico são uma realidade comum ao cotidiano. Dessamaneira, possuir um computador portátil, ou mesmo, ser o dono de umrobô com aparência humana, os chamados persocons, é absolutamentenormal. Nesse mundo os persocons permeiam o viver dos indivíduos queos ensinam a realizar tarefas que vão desde a lavar os pratos, até acessara internet, e inúmeras outras coisas mais. Hideki, também queria ter umpersocon, mas devido a sua condição de estudante, não tinha muitodinheiro. Contudo, uma bela noite quando voltava para casa encontrauma persocon jogada no lixo. Como ela parecia estar em perfeitascondições, Hideki a leva para casa e a liga. Ao ligá-la o estudante percebeque a memória da persocon foi apagada e que ela parece ser da lendáriaserie dos Chobits (lenda urbana que se conta sobre persocons com acapacidade de desenvolver uma personalidade e ter sentimentos). Como a139CLAMP constitui-se em um grupo de mangakas do Japão, formado por quatro escritoras mulheres: Ageha Ohkawa, Mokona, TsubakiNekoi e Satsuki Igarashi. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/CLAMP acessado em 02/08/10401

robô fala constantemente a palavra Chii, Hideki a passa chamar dessaforma. Assim, a história desse mangá perpassa as confusões, descobertase incertezas que constroem os caminhos de Hideki e Chii que os levam abusca de informações para desvendar a origem da robô.A cena abaixo constitui-se no momento em que Chii faz Hidekisentir vergonha diante da sehorio, a dona do apartamento no qual aspersonagens moram. Portanto, analisaremos a seguir os mecanismosmultimodais apresentados nesse excerto que as autores utilizam paraconstruir os efeitos de sentidos disseminados por esse texto.402

Mangá Chobits nº262173845A cena desenvolve-se por meio de oito quadros que se superposicionam e se fundem como uma moldura, a fim de facilitar a percepção403

do tempo e do espaço na história. Além dessa finalidade os quadrospermitem também, estabelecer a posição do leitor em relação a cena,bem como indicam a duração de cada evento, ao mesmo tempo que dão aidéia de movimento cinematográfico ao mangá. Portanto, o olhar do leitoré direcionado a pairar em cada cena em uma seqüência para desvendarseu significado. Segundo Rama (2004) os quadros servem para preencheras lacunas, ou mesmo as falhas que possam haver entre os quadrinhos,uma vez que possibilitam ao leitor realizar inferências, presumir erecuperar tanto do explicito quanto do implícito os efeitos de sentido.Convém ressaltar que todos os quadros menos o três, utilizam umaassociação entre linguagem verbal e não verbal para fabricar a ilusão darealidade. Dessa maneira, podemos constatar que o quadro três serve desuporte para determinar a passagem de tempo entre os quadros um pelocomportamento de Chii diante da senhorio, até seu restabelecimento(elemento pressuposto) que culmina com um passeio com a persocon noquadros quatro e cinco pela cidade.Para ancorar o estado psicológico de vergonha e raiva pelocomportamento de Chii, as autoras, no quadro um, encurtam a cena(tamanho do quadro) e desenham Hideki de cabeça baixa, ao mesmotempo, que evidenciam uma nuvem de raiva que paira sobre sua cabeça.Há, ainda nessa cena o contraste de claro e escuro para demonstrar aturbulência do pensamento da personagem que se suporta pela sualinguagem verbal entrecortada (Bo.). No quadro dois essa raiva éexternalizada pela caricatura acentuada do rosto de Hideki que secontrapõe a figura entrecortada de Chii, objeto de sua fúria, acentuadopelo balão de grito (com traçado firme e formato de estrela), no qual apersonagem grita uma pergunta monológica em negrito e em caixa alta,para si mesmo, já que a senhorio já foi embora (BOA SORTE COM OQUÊ?). As onomatopéias nos quadros um e dois aparecem em formade ideogramas do alfabeto kenshi e servem para reforçar os estados404

psicológicos das cenas por meio da utilização do recurso da sonoridade.No primeiro quadro, permeia a idéia de (ranger de dentes) e na segundodo grito (AHHHHH).Os quadros quatro e cinco demonstram o passeio de Hideki e Chiie pressupõem a volta do equilíbrio pelo passar do tempo proposto peloquadro três. No quadro quatro as autoras lançam mão do recurso deaproximação da cena para fundir o olhar do leitor com o olhar de sobreosacontecimentos anteriores. Dessa forma, a cena transmite a idéia de queHideki olha para cima para refletir sobre o ocorrido e visualiza um cantode uma fachada qualquer durante o passeio. Essa inferência é sustentadapela linguagem não verbal desse quadro é confirmada pela superposiçãodos balões e do quadro da cena cinco que indica o que Hideki pensa sobreo comportamento de Chii (N-N-Não pensei que . / Ela fosse dar umagafe na frente da senhoria). Também, outro mecanismo que reforça oestado de espírito reflexivo e de preocupação de Hideki proposto peloquadro quatro é que na cena cinco acontece o afastamento do enfoque,permitindo que o leitor veja o desenho da personagem levando as mãos acabeça, bem como, há ainda, a onomatopéia ideográfica (sentido de Uf marca simbólica de que Hideki assopra para dizer que se encontra tenso)acima de sua cabeça.Os quadros seis e sete as autores possibilitam ao leitor por meioda linguagem verbal exposta pelo balão do pensamento, perceber o queHideki pensa a respeito da persocon (quadro seis / A Chii não tem amenor noção do que é certo ou errado); e no quadro sete uma conclusãosobre essa valoração (Ensiná-la. pode ser muito mais difícil do que euimaginava.). As reticências no final do pensamento de Hideki, também,podem indicar uma antecipação de problemas futuros referente ao fato deensinar noções morais a Chii. A linguagem não verbal do quadro seis focao desenho lateral de Chii que poderia se passar por uma humana se nãofosse o detalhe das suas orelhas que se sobressaem em relação a sua405

cabeça. Essa imagem também reforça a questão de que a persocon nãodiferencia o certo do errado, já que a sua caricatura passa umatranqüilidade inabalável diante dos acontecimentos. Na cena sete aparecesomente a silueta de Chii em um segundo plano e no primeiro há aacentuação da expressão facial de Hideki (linguagem não verbal) paraancorar a idéia proposta pela linguagem verbal nesse quadro (antecipaçãode um problema).No último quadro as preocupação de Hideki sobre as dificuldadesde ensinar noções de moralidade a Chii, evidenciada pelas cenasanteriores, são quebradas, uma vez que o desenho do rosto da persoconvolta-se para a figura implícita de Hideki que se funde a do leitor. Essemomento em que o sorriso Chii é direcionado a Hideki e ao leitor enfatizaa quebra e se reforça pela adversativa (Mas.) presente no balão dopensamento. Convém ressaltar que a reticência do pensamento dapersonagem Hideki permite prender a atenção do leitor, criando umaatmosfera de curiosidade para desvendar os acontecimentos posteriores.Considerações rbal,multimodal que utiliza uma linguagem verbal e não-verbal para que oleitor possa tecer interpretações e compreender os significados das suashistórias. Dessa forma, não pode ser vista apenas como um emaranhadode quadros, balões e personagens que encenam em um mundo ficcional,com uma linguagem simples e fácil.Como percebemos pela analise acima, as histórias perpassam omundo real dos leitores que são influenciados e influenciadores dasideologias expostas pelos estereótipos das personagens, que nada maissão, que reflexos do agir, do pensar, do ser e do existir do mundo real.406

Será que a escola como instituição do saber letrado não percebe isso?Será que você, leitor, reflete sobre o que lê?Essas questões circundam a elaboração desta pesquisa e, porqueacreditamos que somente seremos multiletrados quando tivermos HEVALLARD,apudNASCIMENTO, 2009) das práticas discursivas, o q

389 MANGÁ: UMA FERRAMENTA DIDÁTICA PARA MULTILETRAMENTOS Célia Tamara Coêlho128 Elvira Lopes Nascimento (Orientadora) RESUMO O objetivo dessa pesquisa é o de apresentar dados de análise dos